Sobre Zózimo Bulbul

Num país onde até hoje é difícil lidar com a questão "racial" - lamento ter que empregar essa terminologia pseudocientífica para falar sobre a diversidade humana - e com o sucesso individual, a morte de um ator e diretor bem-sucedido, de nome estranho e (ainda por cima) negro pode não representar grande coisa, especialmente quando consideramos o papel subalterno reservado para os atores de pele escura no meio audiovisual brasileiro.
 
Zózimo Bulbul foi o primeiro protagonista negro de uma telenovela brasileira. Em "Vidas em Conflito", exibida pela extinta Excelsior, encarnava Rodney, com o qual Cláudia, vivida por Leila Diniz, se envolvia para castigar a mãe, sua rival  na disputa pelo branco Walter, interpretado pelo ator Paulo Goulart. Algumas anos antes, estrelou um dos cinco episódios do filme Cinco Vezes Favela, de Cacá Diegues. Mas Bulbul não foi pioneiro apenas no mundinho audiovisual tupiniquim. Foi também o primeiro modelo negro a desfilar para uma grife de alta costura e militante ativo na luta pela igualdade racial no Brasil, quando cotas em universidades federais ou outras políticas públicas de promoção social da etnia negra estavam fora de questão. Dirigiu, em 1988, o documentário Abolição, em comemoração ao centenário da abolição da escravidão em nosso país. Não a tôa foi entrevistado pelo diretor norte-americano Spike Lee, em 2012, para o documentário Go Brazil, Go, que retrata nosso país sob a ótica racial e deve ser lançado até a Copado Mundo de 2014.
 
 
É constrangedor perceber, no espaço desse texto, quantas vezes a palavra "negro" foi empregada como adjetivo para destacar o pioneirismo de Zózimo, mesmo na trama novelesca, quando seu personagem ganhava relevância apenas pela relação inter-racial, potencialmente explosiva à época. Por outro lado, é alvissareiro perceber como sua luta, assim como a de outros históricos líderes negros em nosso país, resultou numa visão mais lúcida sobre nossa constituição social, quiçá um dia superando as barreiras ideológicas impostas pela falsa ciência ao senso comum. Nesse sentido, precisamos ainda de muitos Zózimos. Feliz e infelizmente.

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