NOVE E MEIA SEMANAS DE AMOR - Erotismo à lá anos 1980
Se você sofre de saudosismo irrefletido dos anos 1980, saiba que essa não foi uma época exatamente maravilhosa na história humana. Muito pelo contrário! Entre o colapso político do bloco comunista, o surgimento do misterioso e letal HIV e a proliferação de governos neoliberais que tiraram o emprego - e o sono - de muitos trabalhadores mundo afora, estes 10 anos representaram uma espécie de fase de transição na história contemporânea, entre o provincianismo e a globalização, o analógico e o digital, o conservadorismo e o progressismo em termos de comportamentos, sobretudo o sexual. Muitos forma os filmes produzidos no cadinho cultural da "década perdida", mas poucos se fixaram no imaginário popular como Nove e Meia Semanas de Amor, que será exibido, nessa sexta-feira, no cineclube 24 Quadros, dentro da mostra dedicada ao cinema de cunho erótico. Em texto assinado por Luis Carlos Saldanha Ribeiro (nosso Luca Salri), o leitor pode encontrar as preliminares de um dos filmes mais sexy que a história do cinema moderno produziu
O diretor levou para o filme sua experiência em comerciais. A influência da linguagem publicitária é visível na obra, em aspectos como a rápida sucessão de planos, por exemplo. Mas para chamar mesmo a atenção do espectador, são usados (à exaustão) closes do corpo feminino, dos alimentos – e de outros elementos, buscando enfatizar cores, texturas e formatos, enfim, toda a imagética que induz ao desejo e ao consumo.
Mickey Rourke e Kim Basinger The Hot Couple de Nove e Meia Semanas de Amor
Por Luca Salri
A segunda metade da década de 1980 trouxe o fim do Socialismo Real no
Leste Europeu, a caminhada firme da política neoliberal e a propagação da AIDS. Nos EUA, estes eram os anos de
Ronald Reagan e da sua política (aparentemente contraditória) de
conservadorismo moral e liberalismo econômico, que resultou no aumento da
concentração de renda, do desemprego e em cortes nos serviços públicos.
Mais do que nunca, o individualismo ganhava força na sociedade
capitalista. Atrelados a ele, estavam o consumo e a busca por um corpo perfeito
em academias. Parecia que as relações sociais eram vistas em termos de
investimentos e possibilidades de consumo.
Toda produção cinematográfica é um reflexo (não necessariamente fiel)
da época em que a mesma foi concebida. Um filme tem muito mais a dizer sobre
seu contexto histórico do que sobre sua estória em si. Nesse sentido, Nove e Meia Semanas de Amor (9 ½
weeks, EUA, 1986) é um produto representativo do seu
tempo. O drama erótico estrelado por Kim
Basinger e Mickey Rourke tornou-se uma obra exemplar do Pornô Soft (ou Softcore) – sub-gênero
caracterizado pela nudez e pelas cenas sexualmente sugestivas – não explícitas.
Baseado na obra homônima de Elizabeth McNeill e dirigido por Adrian Lyne, o
longa foi lançado em setembro de 1986.
Inglês radicado nos Estados Unidos, Lyne era oriundo da publicidade –
onde havia construído sólida carreira em comerciais, se aventurando na sétima
arte no início dos anos 80. Seu maior sucesso de bilheteria, até então, fora o
filme Flashdance: em Ritmo de Embalo (Flashdance, EUA, 1983),
obra clássica do filão Music Videos, muito em voga na chamada ‘década perdida”. Nove e Meia Semanas de Amor
foi o seu terceiro longa.
O diretor levou para o filme sua experiência em comerciais. A influência da linguagem publicitária é visível na obra, em aspectos como a rápida sucessão de planos, por exemplo. Mas para chamar mesmo a atenção do espectador, são usados (à exaustão) closes do corpo feminino, dos alimentos – e de outros elementos, buscando enfatizar cores, texturas e formatos, enfim, toda a imagética que induz ao desejo e ao consumo.
Tal como numa propaganda publicitária, há na película sequências que
apelam diretamente aos sentidos do público.
Na cena da venda dos olhos, temos o tato, com plano de detalhe da pele
ouriçada pelo gelo; o olfato e o paladar ganham destaque na cena da geladeira.
Entretanto, o sentido mais representativo no filme é a visão. O personagem John
é um verdadeiro voyeur. Ele observa
mais do que fala. Como tal, sente prazer apenas em observar sua Elizabeth,
bastando, para constatá-lo, que nos lembremos da sequência de strip tease.
A audição aparece bem combinada com a visão. Imagem e trilha musical se
unem para contar a estória. Uma trilha musical com a cara dos anos 1980, ao
lado de uma vertiginosa sucessão de imagens, resultaram em verdadeiros videoclipes
(como podemos ver nos créditos iniciais) que, na época, estavam muito em alta
com o sucesso da MTV. A estética do videoclipe é reiterada com o jogo de luz e
sombra. A luz parece um refletor colocado diante do palco para iluminar parte
dos corpos das personagens.
Nove e Meia Semanas de Amor narra o relacionamento entre uma funcionária de uma galeria de arte de
Nova Iorque e um corretor do mercado financeiro. Elizabeth é divorciada,
independente, possui amigos e tem uma beleza levemente desleixada. John é a
encarnação do yuppie dos anos 80. Bem sucedido,
usa roupas caras e possui um apartamento bem high tech para a época. Mostra-se entediado com a vida. Seu ar
misterioso e sedutor é reforçado por seu olhar, o leve sorriso e por seus
sobretudos em tons de cinza. Segue-se a intimidade de um homem sedutor e uma
mulher que aparenta certa ingenuidade, que se entrega aos jogos sensuais e
manipuladores do seu parceiro. Como o próprio título sugere (a marcação das
semanas não fica clara na película), este é um relacionamento com duração
pré-estabelecida, que termina quando Elizabeth não aceita mais o caráter
perverso que ela toma.
Quem deu vida ao casal de
protagonistas foram Mickey Rourke e Kim Basinger. Ele, consolidando sua carreira
como astro de Hollywood – isto viria a acontecer, no ano seguinte com os filmes
Coração
Satânico (Angel Heart, EUA, 1987) e Barfly: Condenados pelo Vício (Barfly, EUA, 1987). Ela, ex-modelo que se tornara atriz, lutando para
construir uma carreira. Dois atores procurando a estabilidade profissional. Se parece ter havido uma química entre as suas
personagens, o mesmo não ocorreu nos bastidores. Rourke desprezava sua colega
por não achá-la talentosa e bela suficiente para contracenar com ele. Basinger,
por sua vez, não suportava o hábito de fumar do bonitão. No final das contas, a
aspirante a atriz recebeu um Framboesa de
Ouro (categoria pior atriz) e Rourke perdeu sua notória beleza por completo
nos anos subsequentes, por conta da opção equivocada por uma carreira no boxe e
de cirurgias plásticas mal sucedidas.
A produção custou dezessete
milhões de dólares e arrecadou apenas sete milhões em solo norte-americano. Um
verdadeiro fracasso de bilheteria, além de uma péssima recepção da crítica. Tal
resultado se deve à censura sofrida pela obra, influenciada pelo
conservadorismo vigente na sociedade norte-americana de então. Importantes
cenas do enredo foram eliminadas para se encaixar numa classificação etária
mais abrangente. No exterior, o filme foi exibido numa versão sem cortes,
atingindo uma cifra de U$$ 100 milhões de bilheteria. Ao ser lançado em VHS nos
EUA, o filme teve receptividade bem melhor do público e tornou-se um sucesso de
locação. Houve uma infeliz continuação em 1997 Nove e Meia Semanas de Amor 2 (Love in Paris, EUA, UK, FRA, 1997), que costuma ser incluída em listas
de filmes trash. Totalmente
esquecível.
Nos dias de hoje, fica claro que Nove e Meia Semanas de Amor é um filme
datado, com temas que se banalizaram com o advento da internet e o desejo de bisbilhotar a privacidade alheia. Voyeurismo, fetiche, sexo em locais
públicos, ménage a trois, masturbação
feminina, strip tease são temas que
aparecem no longa sem muita profundidade, mas que não deixaram de ser um avanço
para se debater a sexualidade numa época de forte repressão sexual . As
plateias de hoje, fartas com as obscenidades na internet, não tem condições de
se chocar com porno soft features.
Contudo, ninguém pode tirar o
mérito de Nove e Meia Semanas de Amor
ter sido um filme altamente sensual para uma geração que teve sua curiosidade
atiçada e a sexualidade desperta pela intimidade de John e Elizabeth. No final
das contas, John não foi o único voyeur dessa
história.
Luca,
ResponderExcluirAinda não assisti a esse filme, mas acredito que seu comentário - excelente, por sinal - o retrata fielmente. Li, num desses texto que se encontra na internet - que nesse filme há uma cena que é considerada uma das mais sensuais do cinema.
Não perderei, com certeza...
Valeu pelo comentário...