UM FILME POLÊMICO POR NATUREZA
O apocalipse não chegou às telas dos cinemas na onda dos filmes-catástrofe, mas na forma de gemidos e muito zum zum bobo e hipócrita num mundo que sepultara o amor livre na amargura dos campos de batalha que pipocavam em todo o mundo da Guerra Fria. Mesmo com Elvis Presley, Woodstock e Maio de 1968, o homem dito moderno ainda não aprendera a lidar com o sexo, dimensão fundamental da vida social. Basta lembrar o auê despertado pelo lançamento de O Império dos Sentidos, em 1976 e exibido amanhã pelo Grupo 24 Quadros, dentro da mostra dedicada ao cinema de cunho erótico. Em texto assinado por Eduardo Pereira, um pouco da história de um trabalho considerado por uns um autêntico representante do pornô e por outros um filme que só se diferencia dos demais por empregar o sexo como recurso de expressão artística
Por Eduardo Pereira
Nagisa Oshima (1932-2013): um cineasta que ousou mais do que qualquer discurso hippie e despertou as reações típicas de uma sociedade fundada na hipocrisia moral
Em 1976, chegava aos cinemas de
todo o mundo o filme O Império dos Sentidos (Ai No Korîda, JPN/FRA), que se tornou
polêmico por empregar cenas reais de sexo. A ideia do longa, segundo o diretor
Nagisa Oshima, veio quando ele leu o manuscrito do livro Takashi Nagatsuka.
Escrito por Itoko Nakamura, o
livro descrevia a estória de um grande japonês durante a Dinastia Meiji, considerado
por alguns historiadores como um período negro para a sociedade japonesa.
Oshima foi particularmente tocado pela estória de amor que perpassava três
gerações de uma mesma família.
Esse manuscrito teve importância
decisiva para a concepção do filme mais celebrado de Oshima, uma vez que o
diretor nipônico percebeu grandes semelhanças entre o que ele concebera e o
conteúdo do calhamaço que lhe caíra às mãos. Entretanto, mesmo preservando o
contexto político-social da obra de Nakamura, o amor romântico foi
transfigurado na relação entre um homem e uma mulher, tendo o sexo como
princípio de realização amorosa e existencial.
Sequência de O IMPÉRIO DOS SENTIDOS (1976). A busca ao prazer levado as suas últimas consequências
Segundo Nagisa, o filme conta a
estória da realização de desejos sexuais entre um casal que aos poucos se transforma
numa relação obsessiva, finalizada na obtenção do prazer absoluto. A partir
desse mote, os expectadores são levados a testemunhar diversas cenas de sexo
real, o que daria maior autenticidade aos sentimentos mútuos entre as
personagens.
À época do seu lançamento, o
filme gerou duas vertentes de interpretação: a primeira considerava-o um
produto pornô que abusava do sexo sob o pretexto de ser um filme de arte
moderno. Já a segunda defendia que a película empregava o sexo como uma forma
de protesto contra a sociedade moralmente opressora japonesa. Tal polêmica
explica – mas não justifica – o título de “O filme mais erótico da história do
cinema” atribuído à O Império dos
Sentidos.
Em meio à tal barafunda, Nagisa
argumentou que o filme pretendia mostrar a obsessão sexual como algo
destrutivo. Isso não deixou o público menos perplexo e curioso em relação às
sequências envolvendo sexo real. Tanto que, no seu lançamento, no Festival de
Cannes, foram necessárias 13 sessões extras para atender à imensa demanda do
público. Nos Estados Unidos, cópias do filme destinadas ao Festival de Nova
York foram apreendidas com base em leis de cunho moralizante.
Passados quase 40 anos do seu
lançamento, a visão que podemos ter de O
Império dos Sentidos é que esta se tornou uma obra que se valeu do sexo
como elemento central para expor uma realidade que o cinema muitas vezes
escondia ou autocensurava. E Nagisa Oshima, com muito afinco e seriedade,
tratou o assunto sem pudor e nem censura, quebrando um tabu do cinema dito
sério e artístico de então.
O filme será exibido nessa sexta-feira, dia 14 de fevereiro, a partir das 18h30 min, na Vila das Artes. Haverá apresentação prévia do filme.
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