A LEI DO DESEJO: Almodóvar à Flor da Pele



 Um dos melhores trabalhos da fase inicial da carreira de Pedro Almodóvar, A Lei do Desejo será exibido nessa sexta-feira, dia 28, fechando a programação de fevereiro do cineclube 24 Quadros, dedicada ao cinema de feitio erótico. A miscelânia de referências de Almodóvar é transformada num thriller de ótimo gosto, com belas atuações e direção sensível do maior nome do moderno cinema espanhol
 
Por Gabriel Petter

Uma sequência dentro de outra, ambas apresentadas como um ato de vouyerismo. Eis como começa A Lei do Desejo (La Ley del Deseo, ESP, 1987), um dos grandes filmes de Pedro Almodóvar, ainda recendendo à atmosfera punk Junkie do início da sua bem-sucedida trajetória no mundo do cinema internacional. 

Possivelmente, ecletismo é a palavra-chave para definir esse longa onde a sexualidade ambígua – típica da androginia, tendência forte no mundo gay nos anos 1980 – parece ser apenas um mote (ou metáfora) para a avalanche de referências estético-intelectuais que o perpassam. Da estória dentro da estória a lá Cidadão Kane (Citzen Kane, EUA, 1948), passando pela melodia da sequência inicial, atacada por um sax furioso – estilo Gato Barbieri, o que nos remete, claro, a O Último Tango em Paris (The Last Tango in Paris, EUA/FRA/ITA, 1974), até o roteiro de thriller noir e as pitadas de freudismo senso-comum, é possível encontrar boa parte daquilo que influenciou o cineasta espanhol ao longo da sua formação artística. 

Entretanto, tamanho volume de informação não torna a película num heteróclito sem nexo. Apesar de o roteiro às vezes não deixar muito claro o que de fato é a estória, há uma boa dosagem de todos esses elementos, além da hábil exploração do elenco principal, encabeçado pelo sumido Eusebio Poncela, Carmem Maura (a primeira musa de Almodóvar) e Antonio Banderas, surpreendente como ator para quem o conheceu apenas dos tempos de Hollywood. 

Provavelmente, o que chama mesmo a atenção em A Lei do Desejo, para além da tão falada única sequência de sexo homossexual - e do script meio dejá vu, é a intenção metalinguística que parece presidir toda a dinâmica do enredo. Pablo Quintero (Eusebio Poncela), diretor e roteirista de cinema, escreve um papel para Tina (Carmen Maura), seu irmão transexual (e atriz decadente) que manteve um relacionamento incestuoso com o pai de ambos, foi por ele abandonado e odeia profundamente os homens. Em meio a um rompimento definitivo com seu namorado, Pablo conhece Antonio Benítez (Antonio Banderas), rapaz de sexualidade indefinida que está determinado a seduzi-lo a todo custo. 

E o que isso tem de mais? Pois bem: Numa das últimas sequências do longa, por exemplo, quando o amor doentio de Antonio afeta profundamente Pablo, este se revolta contra a máquina de escrever, acusando-a de ser a responsável por todo o lamentável desfecho do que prometia ser apenas mais uma história passageira de amor. Uma espécie de Ludismo intelectual. As outras associações são óbvias, mesmo para quem não é um versado em teoria do cinema ou em psicologismo de boteco: Carmem Maura, como a mulher que veste uma personagem masculina que optou pelo sexo feminino, é uma indefinição ambulante. Pablo, mui provavelmente, é uma espécie de alter ego do Almodóvar drogadaço e criativo dos anos 1980. 

Entretanto, o mais intrigante mesmo é a tal da acusação que o criador/alter ego faz em relação ao ato de criar. Seríamos nós quem geramos nossos próprios monstros? Mais especificamente: seriam esses a transfiguração dos nossos desejos mais recônditos, expressos, por excelência, em manifestações artístico-culturais? Quer um conselho? Não busque esse tipo de resposta assistindo à Lei do Desejo. Uma das virtudes de Almodóvar é que, não obstante suas pretensões intelectuais, seus filmes costumam ser ótimas obras de entretenimento. O resto é puro psicologismo, dos piores. 

O filme será exibido nessa sexta-feira, dia 28 de fevereiro, fechando a mostra dedicada ao erotismo no cinema, promovida e realizada pelo Cineclube 24 Quadros, com apoio da Vila das Artes e da Prefeitura Municipal de Fortaleza. A sessão começa às 18h30min, com apresentação prévia do filme.

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