Full Frontal: de volta ao (começo) alternativo

"Descoberto" no final dos anos 1980, com o grande Sexo, Mentiras e Videotape, Steven Soderbergh foi inicialmente adotado como uma espécie de "menino prodígio" do cinema (afinal, não é qualquer um que, aos 26 anos, arrebata a cobiçada "Palma de Ouro" no Festival de Cannes e ainda consegue uma indicação ao Oscar), alcançando o feito de realizar uma obra bem-sucedida em termos de crítica e público. Esse fato, aliado ao espírito irrequieto do então jovem cineasta, determinou os rumos que sua obra tomou durante os anos 1990, onde predominaram películas de caráter alternativo, com quase nenhum sucesso comercial, salvo o morno Out of Sigth (intitulado no Brasil como Irresistível Paixão, 1998).
 
A virada dos anos 2000 trouxe uma reviravolta na carreira de Soderbergh, com sucessos como Erin Brockovich (Erin Brockovich: uma mulher de talento, 2000) e Traffic (Idem, 2000), do mesmo ano, tornando-o num recordista de bilheteria e num sucesso de crítica, com duas indicações ao Oscar de Melhor Direção, obtendo a estatueta com Traffic. No ano seguinte, com Oceans Eleven (Onze Homens e um Segredo, 2001), obteve mais um grande êxito comercial com um filme bem recebido pela crítica.
 
Toda essa disgressão histórica faz sentido para entender o contexto no qual se deu a feitura do interessante Full Frontal (Idem, 2002). Às vésperas de lançar outro arrasa-quarteirão, Solaris (Idem, 2002), Steven decidiu realizar uma obra de caráter radicalmente experimental, i.e., o extremo oposto daquilo que ele próprio vinha fazendo no início do novo milênio em Hollywood. E ainda por cima tematizando (ridicularizando) a própria indústria cinematográfica.

Talvez por isso Full Frontal (inteiramente de frente, em tradução literal) tenha sido tão mal recebido pelo público à época do seu lançamento e ainda hoje seja uma obra "maldita" na filmografia de Soderbergh. De fato, não é exatamente simples compreender a (s) história (s) dentro do enredo fragmentário, sem nexos aparentes (evidentes), envolvendo personagens que parecem em alguns momentos representarem a si próprios (o galã Brad Pitt de fato faz papel dele mesmo no filme) e brincar de fazer um filme. Imagine então fazê-lo com recursos quase amadores, utilizando câmeras digitais de baixa resolução em boa parte das suas quase duas horas de duração e diálogos improvisados, logo quem havia acabado de receber a maior distinção do mainstream cinematográfico yankee?
 
 
Full Frontal (2002). O mais experimental do filmes de Soderbergh
 
 
Os detalhes da produção podem insinuar um certo caráter irônico do filme. Reunindo um elenco de mega-astros - como Brad Pitt e Julia Roberts - que abriram mão dos cachês milionários e das regalias dos grandes sets de filmagem, rodado em apenas 18 dias e utilizando poucas locações, Full Frontal custou a bagatela (para os padrões americanos) de U$$ 2 milhões. Obviamente, para a indústria cinematográfica, isso é quase uma brincadeira, mas Soderbergh não estava simplesmente tirando sarro e muito menos perdendo tempo. É conhecido que o realizador costuma intercalar obras mais "convencionais" com outras de tom experimental, cujas conquistas serão incorporadas posteriormente. Foi assim, por exemplo, com Obsessão (The Underneath, 1995), no qual o estudo de cores foi aproveitado em vários trabalhos subsequentes, incluindo o oscarizado Traffic. Com Full Frontal não foi diferente. Steven queria experimentar as possibilidades dos equipamentos digitais, o que serviu de base para o posterior Bubble (Bubble, uma Nova Experiência, 2005). Não obstante as críticas e o reconhecimento, por parte do próprio diretor, de que aquele foi um filme difícil, em entrevista à The Believer Magazine o mesmo afirma que "Se eu não tivesse feito Full Frontal eu não teria tido condições de ter feito Bubble do jeito que eu fiz, em termos de controle estético. O que aprendi com Full Frontal foi que você precisa aplicar algumas ideias em algo para torna-las mais claras. Muitas pessoas que escrevem sobre arte não entendem a importância do fracasso, do processo."
 
Estamos diante, portanto, de um filme cujo processo é o mais importante. É banal, portanto, procurar uma linha narrativa estável ou criticá-lo pelo que ele (não tem) de lógico ou mesmo procurar valorizá-lo pela linha do conteúdo metalinguístico que o mesmo carrega. Full Frontal não é o tipo de filme feito para se distrair numa sala de cinema e nem para fazer pensar. Ele requer outro tipo de público, o que não exclui que o espectador comum possa se divertir com algumas das sequências dos personagens non sense que povoam quiçá a mais polêmica das obras de Soderbergh.
 
Gabriel Petter 

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