PACTO DE SANGUE: O PROTÓTIPO DOS FILMES NOIR.
Durante esse mais de um século de existência do cinema,
existem filmes que inauguraram um ciclo na história, seja deflagrando um
movimento, seja causando uma revolução, e por isso mesmo são referências para
todo cinéfilo e pesquisador que se preze. Há também aqueles que atravessaram
gerações e gerações e continuam encantando, mesmo que sua temática já tenha
sido extrapolada das mais variadas formas em outras milhares de produções. E
também ocorrem casos em que o filme consegue revelar a genialidade de um
cineasta a tal ponto, que é difícil analisarmos toda usa obra, sem comparar com
seu esse momento chave, que o consagra como grande artista criador.
Todos esses elementos citados podem ser utilizados para
analisar um filme como Pacto de Sangue. Obra prima, realizada pelos estúdios
Paramount no longínquo ano de 1944, esse filme tornou-se ao longo dessas
décadas a obra referencial de todo o cinema noir. Entre os diversos aspectos
que justificam esse título está o fato de que ele reúne todos os elementos que
consagraram o gênero no panorama da sétima arte. A narração em off do personagem principal, de forte conteúdo dramático; a fotografia expressionista, gerando uma
atmosfera de medo e tensão, tanto para os protagonistas, quanto para o público;
o caráter policialesco, onde a solução do crime só é desvendada nos minutos
finais, e acima de tudo, a presença da femme fatale, que com seu jogo de
sedução , hipocrisia, sexualidade e traição,consegue transformar a vida do “herói” em um verdadeiro inferno. Além de tudo
isso, seus diálogos inteligentes aliados a um roteiro inovador mostraram que
essa fórmula de fazer filmes tinha tudo pra dar certo.
Bárbara Stanwyck como Phyllis Dietrichson: um olhar que
entrou para história.
Fruto da colaboração de diversos gênios, como o escritor de
livros policiais, Raymond Chandler, que ajudou a escrever o roteiro, a partir
da novela de James M. Cain; do grande fotógrafo John F. Seitz, que teve uma influencia
decisiva nessa concepção fílmica; do maravilhoso compositor húngaro Miklós
Rózsa e da maior figurinista de todos os tempos, Edith Head; o filme se sobrepõe
como o primeiro grande salto na carreira do lendário diretor e roteirista
austríaco Billy Wilder, que a partir daí passou a ser considerado um dos mais
talentosos de Hollywood, o que foi comprovado com os inúmeros clássicos que produziu ao longo de sua brilhante carreira.
A trama do filme já foi contada diversas vezes, mas sem o
mesmo impacto. Jovem vendedor de seguros se apaixona por uma de suas clientes,
que era casada com um milionário, e juntos planejam assassiná-lo através do
crime perfeito. Os dois assim ficariam com o dinheiro do seguro, já que a
vítima teria morrido supostamente em um acidente. O que eles não esperavam eram
os obstáculos que iam aparecer depois do crime, como a visita inesperada de uma
testemunha e a revelação do passado negro da viúva assassina.
O que parecia ser um
simples policial banal se transformou em um monumento da arte cinematográfica. Fred MacMurray,
conhecido por estrelar comédias românticas, tem o melhor desempenho de sua
carreira como o cínico e ambicioso analista de seguros. Barbara Stanwyck,
uma das eternas divas de Hollywood, interpreta uma das vilãs mais perfeitas da
história, cujo caráter sensual, psicótico e enigmático, levou o personagem de Phyllis
Dietrichson a se tornar o grande paradigma de todas as mulheres fatais do noir. Além disso, é fundamental a
presença do extraordinário Edward G Robinson, como um investigador de seguros,
e o responsável por dar uma dose de leveza e humor a um filme tão trágico.
Algumas cenas se tornaram bastante clássicas: a descida de Phyllis Dierichson
da escada com sua tornozeleira; o encontro do casal no supermercado e a famosa
cena do crime, em que o olhar de satisfação da esposa mostra toda a essência do
personagem.
Cena clássica de Fred MacMurray e Edward G Robinson em Pacto
de Sangue.
Grande sucesso de crítica e público, Pacto de Sangue
permitiu que os grandes estúdios passassem a investir em filmes desse gênero, e
sua importância cresce a cada revisão. Mostrando um retrato sombrio da
Califórnia dos anos 40, seu pessimismo latente declara o sepultamento das
produções ingênuas americanas, que eram a grande febre dos anos 30. Com obras
como essa, o sonho americano teve o seu primeiro golpe de misericórdia dentro da
indústria que o popularizou. Em tempos tão negros como o do totalitarismo,
holocausto e bombas atômicas, não fazia mais sentido um mundo só de musicais e
comédias românticas. As platéias queriam um pouco de realismo, e foi por isso
que o cinema noir floresceu e se desenvolveu como um autêntico movimento artístico,
além de assinalar o ápice criativo do cinema clássico hollywoodiano. Desde
então milhares de produções foram feitas, já que esse tipo de filme demandava
baixo orçamento e poucas locações.
Por tudo isso que foi dito, Pacto de Sangue,
permanece como o grande marco desse estilo e uma das maiores jóias da cultura
americana.
Pierre Grangeiro.
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