GATA EM TETO DE ZINCO QUENTE: QUANTO MAIS TEATRAL MELHOR? MESMO?


Celebrado filme da dupla Elizabeth Taylor e Paul Newman será exibido nessa sexta-feira no cineclube 24 Quadros, dentro da mostra O Teatro vai ao Cinema, em cartaz durante todo o mês de novembro. Em texto assinado por Gabriel Petter, um pouco de análise sobre um filme complexo, que ora beira ao cinema, ora ao teatro, parecendo não se decidir por nenhum dos dois
Paul Newman e Elizabeth Taylor em Gata em Teto de Zinco Quente: fiéis ao script

Por Gabriel Petter

Sinto certa perturbação quando assisto a filmes como Gata em Teto de Zinco Quente (A Cat on a Tin Hot Roof, EUA, 1958), algo comum à experiência de assistir àqueles espetáculos teatrais avant-garde repletos de parafernálias audiovisuais. No segundo caso, uma das expressões artísticas mais antigas da humanidade parece se ressentir da falta de alguma "modernidade", procurando desesperadamente se atualizar - como se apenas novas tecnologias pudessem informar  sobre o moderno; no primeiro, o problema é de natureza outra. Arte vira-latas, o cinema sempre manteve uma relação de invejosa admiração pelo "sangue azul" teatro, mais ou menos como aqueles novos ricos que se aproximam das elites tradicionais para, de alguma forma, "se enobrecer".

Adaptação da peça homônima de Tenessee Williams (1911-1983), Gata em Teto de Zinco Quente não é propriamente um filme teatral - pelo menos não nas formas que o cinema primitivo nos legou: não estamos falando de "caixa cênica" ou qualquer outra forma de teatro filmado, porém de uma obra com teatro demais e cinema de menos. Por muitas razões, dentre as quais prefiro destacar uma, que nos remete ao universo da sociologia da arte: películas adaptadas de peças possuíam - e ainda possuem - grande apelo tanto sobre os profissionais da sétima arte como sobre determinado tipo de público, que parece ver na arte da representação (provocação, teatrólogos, sei que esta é uma definição miserável para vossa arte!) um modo de "enriquecer" o primo pobre que começou como atração de feira.

Frescura, claro, mas que ganhará muita força no decurso da segunda metade do século XX, na onda dos vanguardismos que transformarão o cinema num objeto de porra-louquices de toda ordem, embebidas de intelectualismo vão. Esta é outra - longa - discussão, que não vale a pena ser retomada agora. O que importa é saber porque, apesar de todos os pesares, essa pequena obra da cada dia mais cambiante cinematografia estadunidense merece ser vista. Em primeiro lugar, por ser um bom exemplo de filme que procurou se apropriar da linguagem teatral. Em segundo, pelo elenco estrelar. Embora nem Elizabeth (Liz) Taylor, nem Paul Newman (ambos no auge da beleza) fossem atores dos melhores, há Burl Ives, dando show no papel de um patriarca sulista meio bufão, meio trágico. Sua atuação, ao lado de outros astros coadjuvantes, são o ponto alto do longa dirigido por Richard Brooks,

É um erro dizer que Gata em Teto de Zinco Quente é um filme de atuações. Obras desse tipo costumam ser apropriadas pelos atores. Mire a contribuição de Marlon Brando em O Último Tango em Paris (The Last Tango in Paris, FRA/ITA, 1974) ou da dupla Bette Davis/Joan Crowford em O que Terá Acontecido com Baby Jane? (What Even Happened to Baby Jane?, EUA, 1962) para perceber do que eu estou falando. O que se pode ver no filme em questão é que todo o elenco parece estar atento as suas falas e marcações, mas poucos atuam de corpo inteiro. Além disso, o texto original sofreu "adaptações" para agradar a censura hollywoodiana. No filme, Brick, ex-atleta vivido por Newman, rejeita Maggie Pollitt, sua bela (e estéril) esposa por uma suposta traição da mesma com seu grande amigo, Skipper, falecido em circunstâncias trágicas. No texto de Williams - homossexual assumido - há várias insinuações homoeróticas, prudentemente - a prudência às vezes é um dos pseudônimos da covardia - ignoradas no guião cinematográfico. Assim, a mortificação de Brick (quem se entregaria ao álcool tão ferozmente pela perda de um amigo?) só ganha sentido quando aquele que parece ser o drama principal, ou seja, a disputa pela herança e pelo amor do "velho" Big Daddy é explorado ao extremo, às vezes com doses maciças de dramaticidade.

Isso torna Gata em Teto de Zinco Quente num filme ruim? Evidente que não! Mas o esforço em tentar trazer o universo teatral de Tenessee Williams para as telas parece ter se pautado pela mimese, às vezes em graus exagerados. Há muito mais teatro que cinema nesse filme, o que não é uma relação negativa, mas pouco enriquecedora, para ambas as artes.

Gata em Teto de Zinco Quente será exibido nessa sexta-feira, dia 14 de novembro de 2014, dentro da mostra "O Teatro vai ao Cinema", promovida durante todo o mês de setembro pelo cineclube 24 Quadros. A sessão começa a partir das 18h30min, na Vila das Artes - Rua 24 de Maio, 1121, Centro, no auditório da instituição. 

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