Entrevista: Pepe Moreno

A lenda viva dos quadrinhos e dos jogos para computador falou, com exclusividade, para o blog do Grupo 24 Quadros. Há mais de duas décadas longe do universo das Hq's, o hispano-americano Pepe Moreno, 59 anos, revela, ao longo dessa entrevista, os bastidores de produção de Batman: digital justice e explica os detalhes da sua reinvenção enquanto artista e empreendedor no universo dos videogames. Fala ainda sobre seus mais significativos trabalhos, iluminando aspectos pouco conhecidos em relação a sua obra, dada a escassez das suas entrevistas. Esta, aliás, é a primeira que Pepe concede a um veículo de imprensa brasileiro 



Pepe Moreno: pioneiro do discurso

Gabriel Petter e Eduardo Pereira

"A simplicidade é o último grau de sofisticação"

(Leonardo da Vinci)

"Claro, será um prazer." Com esta simples frase, Pepe Moreno, artista determinante na transição do papel para o computador como meio de produção de estórias em quadrinhos - e responsável pela segunda maior vendagem de uma revista em quadrinhos da história, desconcertou-nos completamente. A partir de um despretensioso e-mail, conseguimos uma exclusiva com o espanhol que, décadas atrás, com pouco inglês, mas muita ousadia, talento e espírito empreendedor, conquistou seu lugar no competitivo mercado norte-americano. Moreno sempre foi um pioneiro: em meio à apatia de uma Espanha ainda dominada pelo conservadorismo franquista, debochava dos rituais e regras absurdos estabelecidos em ambiente escolar em nome da pátria; em terras americanas, desenvolveu Batman: Digital Justice, primeira Hq inteiramente gerada por computador; já consagrado no mundo dos quadrinhos, percebeu a oportunidade aberta no mercado de jogos eletrônicos e deu o fora do dia-a-dia das editoras para imergir no desenvolvimento de games interativos que venderam como água - basta dizer, a título de exemplo, que Hel Cab, o primeiro produto do gênero que o valenciano desenvolveu, esgotou sua tiragem logo na semana do seu lançamento. Com formação técnica e artística [é engenheiro de formação], o perfil de Pepe remete ao mito do homem renascentista, ao mesmo tempo artista, cientista e pensador. Não à tôa, em seu sítio pessoal, Ele aponta Leonardo da Vinci como uma de suas influências.

Nascido em 1954, em Valência, iniciou sua carreira profissional aos 16 anos, desenhando para a revista SOS, dedicada ao horror. Colaborou com publicações importantes do Velho Mundo, como Metal Hurlant e L'echo de Savanes. Em 1977, logo após cumprir o serviço militar obrigatório, mudou-se para os Estados Unidos, onde rapidamente arranjou trabalho desenhando personagens como Vampirella, entre outros. Ao mesmo tempo, editava, de modo independente, a revista Nort (No art), na qual divulgava trabalhos experimentais (alguns exemplares dessa publicação foram adquiridos por instituições como o Museu de Arte Moderna de Paris). Em 1982, completou três Graphic novels de ficção científica: Rebel, Joe's air force e Gene Kong, onde apresentava uma visão pessimista do futuro da humanidade. Logo em seguida, entrou para o ramo da animação, desenhando cenários para os seriados Thundercats e Silver Hawk. Em 1990, chega ao auge da carreira, publicando Batman: digital justice. A produção dessa obra trouxe uma série de inovações estético-tecnológicas fundamentais para o uso de plataformas digitais  na produção de quadrinhos. Desiludido com o mercado das HQ's, migra para o entretenimento interativo, fundando a Digital Fusion Inc. e lançando uma série bem-sucedida de jogos para computador. Atualmente, segue no comando da sua empresa, dedicando-se ainda à ilustração. 

24 Quadros: Em primeiro lugar, queria passar um pouco pela sua infância. Você nasceu na Espanha ainda dominada pelo franquismo (período no qual o general Francisco Franco governou ditatorialmente o país, de 1939 até 1975) e era alguém que tinha uma grande visão do futuro. Como foi para você viver na Espanha durante esse período?

Pepe Moreno: É preciso lembrar que a Espanha, naquele tempo, ainda era um lugar de classe média relativamente sofisticado. É preciso lembrar, também, que o governo Franco era uma forma de socialismo no qual ninguém passava fome, e que tínhamos todas as democracias ao nosso favor, por conta da Guerra Fria. Não havia liberdade de expressão, mas as coisas iam bem, sem complicações - e, de qualquer forma, nós não sabíamos o que era liberdade de expressão.  Tendo dito isto, eu sempre sentí que havia algo errado e minha natural apreensão em relação ao conformismo tinha me alertado que eu estava em apuros. Eu era um rebelde, com certeza, mas não sabia qual era a causa pela qual me rebelava. Poderíamos dizer que eu era um "rebelde sem causa." Eu deixei meu cabelo crescer, curtí o lance do rock and roll e não tive problemas em fazer música, considerando que as únicas coisas banidas eram a pornografia e o discurso político. Basicamente, o governo Franco, como um todo, era estúpido, anacrônico e não fazia sentido e eu questionava tudo. Na passagem do hino nacional, por exemplo, no trecho que dizia algo como dar o sangue pelo seu país, eu pensava que isso significava doar sangue para a Cruz Vermelha (!) Tínhamos que fazer saudações com o braço estendido, mesmo na escola, quando levantavam a bandeira, e eu fazia todo tipo de gesto com a mão para os outros rirem enquanto os diretores não estavam olhando. Eu tive problemas na escola, mas nada muito significativo, exceto por conta do professor político, um completo bundão que sempre me causava aborrecimentos. Eu era muito inteligente para aquela besteira e ele sabia disso. Eles estavam perdendo o controle sobre as mentes dos jovens e não estavam nada satisfeitos. Nesse sentido, fui um pioneiro do discurso. 

24 Quadros: Como era o ambiente familiar no qual você cresceu? Seus pais lhe incentivaram em relação a sua aptidão artística?

Pepe Moreno: Minha minha mãe parece ter aspirado à arte ou apreciado isso de alguma forma, já que foi minha mais ardente incentivadora, desde o início. Meu pai, por outro lado, não tinha veia artística e sempre me empurrou para aprender algo que me tornasse capaz de ganhar a vida. Ótimas pessoas, apenas com uma visão de mundo diferente. Eu sou pai e entendo o quão difícil são as escolhas que temos que fazer para os nossos filhos. Eu nasci com um artista dentro de mim, mas eles precisavam me manter no caminho que julgavam seguro. Por sorte, eles chegaram a ver meu sucesso.

24 Quadros: Você sempre teve em mente a idéia de se tornar um artista visual? Quando você se iniciou no desenho?

Pepe Moreno: Eu não visei a nada, só fiz o que estava na minha frente. Eu tive o comichão criativo todo o tempo e sempre trabalhei em algo que me fizesse sentir bem. Eu estava sempre explorando novas possibilidades, procurando novos caminhos e tecnologias para expressar toda a criatividade que estava dentro de mim.

24 Quadros: Quando você começou sua carreira no mundo dos quadrinhos? Em qual tipo de quadrinho você começou e qual foi a importância dessas primeiras experiências para a sua carreira?

Pepe Moreno: Eu tinha cerca de 16 anos quando publiquei algo pelo qual fui pago. Talvez mais cedo, mas eu lembro claramente de ter sido publicado pela Editorial Valencia numa revista de horror chamada SOS. Eu ainda tenho algumas cópias dessa revista.


Capa da primeira HQ desenhada por Pepe: início profissional


24 Quadros: Quando e porque você decidiu se mudar para os Estados Unidos? Como foram esses primeiros momentos em terras americanas para um jovem artista com grande talento, falando pouco inglês (eu lí que você não falava inglês nesse tempo), pouco dinheiro e um grande espírito de aventura?

Pepe Moreno: Sem muito inglês para falar, apenas com a determinação motivada pelo desespero que - dadas as coisas como andavam na Espanha naquele tempo - eu tinha de perder a chance de viver a vida como um todo e nos meus próprios termos.

24 Quadros: Você tem formação em Belas Artes e Engenharia Elétrica. Você sempre nutriu interesse no diálogo entre arte e tecnologia? Este interesse te acompanha desde a infância?

Pepe Moreno: Eu nunca frequentara uma escola de arte de qualquer tipo e fui reprovado em uma muito tempo depois, quando já atuava profissionalmente, trabalhando com design gráfico e quadrinhos. Foi a melhor coisa que me aconteceu, na verdade. Eu estava querendo aprender técnica e teoria da arte, mas o sistema de arte estava transformando os artistas em robôs, ao invés de ajudá-los a explorar (explodir) sua criatividade. Mais uma vez [no entanto], o pêndulo aleatório da vida virou na direção do que fazemos hoje. É assustador pensar que o destino de uma vida está tão à mercê de meras circunstâncias!

24 Quadros: Quais foram as primeiras oportunidades oferecidas para você no mercado de quadrinhos americano?

Pepe Moreno: A história do meu sonho americano (profissionalmente) segue esse caminho: eu arranjo três empregos em Nova York, em dois dias - e sem falar uma palavra de inglês: um com a Warren Publishing [editora estaduniense fundada em 1957 e que fechou as portas em 1983], outro com a DC e outro com a Marvel. Antes, eu fui a uma loja de quadrinhos, anotei alguns endereços e números de telefone e liguei para todos no mesmo dia para marcar entrevistas, enquanto eu estava em Nova York - tinha minha namorada americana ligando para eles e traduzindo para mim, claro. Nunca tomei um não como resposta nem concordei em deixar meu portfólio e ir embora - isso é tão fútil quanto simplesmente enviar um currículo.


Pepe Moreno: "O sistema de arte estava transformando os artistas em robôs"


24 Quadros: Como foi que surgiu a oportunidade de tomar parte na Graphic Novel Batman: digital justice? Quais foram as maiores dificuldades para trabalhar num projeto tão ambicioso para a época - trabalhar com um quadrinho inteiramente gerado por computador?

Pepe Moreno: Este país [Estados Unidos] respeita o talento e recompensa a iniciativa. Eu estava gerando gráficos computacionais no meu computador Amiga [série de computadores pessoais produzidos pela empresa canadense Commodore International entre as décadas de 1980 e 1990] e um dia (eu vivía em Manhattan, naquele tempo) eu telefonei para todos os editores da DC e pedi-lhes que viessem à minha casa para ver o que eu estava fazendo. Eles ficaram tão excitados que concordaram em fazer um álbum gerado por computador sobre o Batman, em antecipação ao aniversário de 50 anos do personagem. Na época, não havia como transferir os arquivos gerados no computador para os fotolitos negativos, a fim de imprimí-los, [além de outras dificuldades técnicas], mas eles não sabiam de nada e eu não me preocupei em explicar-lhes os detalhes. Eu conseguí "puxar" (sic) estes arquivos (e esta é uma aventura muito interessante em si própria) e ajudei a inventar a "separação de cores" de arquivos digitais com uma companhia espanhola chamada Anaya System.

24 Quadros: Como foi o processo de produção desse projeto?

Pepe Moreno: Uma louca e recompensadora aventura que eu nunca esquecerei. Eu era jovem e medroso e, a despeito das insanas dificuldades técnicas e logísticas, eu consegui sobreviver com a ajuda de várias pessoas brilhantes, as quais eu consegui motivar e com as quais consegui conviver. Não sei se eu poderia repetir esta provação novamente, mas agradeço a Deus pela ambição e cegueira da juventude. Isto elevou minha carreira a um novo caminho e ainda hoje eu sou abordado por pessoas que louvam o álbum e o quanto ele significa para elas. E nada nos aproxima mais do sonho americano do que isso. Sou eternamente grato pela oportunidade, bondade e respeito que todos me ofereceram. Eternamente grato por esse conjunto de mentes de um país que chamamos Estados Unidos e que eu chamo meu lar. Eu vim para cá com U$$ 2.000, a roupa do corpo e um portfólio com meu trabalho. Nunca saí daqui e nem gastei o dinheiro que trazia comigo - sempre fiz mais, desde então. Algo interessante é que, quando eu cheguei nos Estados Unidos, eles [os agentes da imigração] puxaram-me para um lado na alfândega, suspeitando (e com razão) que eu vinha ao país em busca de trabalho  - havia o maior No, No, na época. Mas o engraçado é que, uma vez que eles olharam meu portfólio, eles foram sugados pela arte. Não sei se aqueles caras estavam mortalmente entediados ou se eu estava no meu dia de sorte, já que havia um deles em particular que queria ser artista e estava mais do que feliz por poder falar sobre quadrinhos e arte. Eu nunca saberei o que aconteceu entre eles, e nunca saberei quem era aquele jovem, mas algo maravilhoso se passou naquele dia e não haveria como eu  permanecer nos EUA se as coisas tivesse rolado de outro jeito. Maravilhoso, não é?



Pepe Moreno: "Agradeço a Deus pela ambição e cegueira da juventude

24 Quadros: Como era a sua relação com os demais membros do projeto, como Doug Murray e Bob Fingerman?

Pepe Moreno: Eu contratei Doug para me ajudar com os diálogos. Eu mesmo escrevi o roteiro, mas o inglês não era minha primeira primeira língua. Era difícil conseguir o que eu queria sem alguma escrita nativa e habilidades de fala. Daí eu ter contratado Doug.

24 Quadros: No processo de produção de Batman: Digital Justice você teve a mais alta tecnologia em computação gráfica à sua disposição. Esta tecnologia foi desenvolvida especificamente para o projeto? Você teve o apoio de engenheiros de computação?

Pepe Moreno: Não, longe disso... o que eu fiz foi influência do fato de que era um novo mundo e que eu tinha o cruzado de capa ao meu lado. Tudo isto era antes do Photoshop. Eu fiz parcerias com os desenvolvedores de softwares, o que fazia com que as últimas ferramentas chegassem às minhas mãos. Estava trabalhando com o pixel pain e o Image studio. Na época em que eu estava fazendo isso, não havia meio de se transferir os desenhos feitos no computador para os [fotolitos] negativos. Havia as máquinas da Linatronic, mas o software não se conectava com elas. Eventualmente, conseguimos quark-express [programa para a diagramação de páginas impressas], mas não havia ninguém nos Estados Unidos capaz de mexer nesse tipo de programa na época. [Obs: Pepe usou um Macintosh II para desenhar Batman: Digital Justice. Os desenhos, gerados em programas 3D, eram organizados em quadros feitos a partir do software quark-express e os arquivos eram transferidos para os fotolitos negativos a partir de um computador com memória equivalente a 200 megabytes. Nessa resposta, Pepe fala mais sobre o processo anterior ao da produção efetiva de seu trabalho mais célebre]

24 Quadros: Batman: digital justice foi um lançamento comercial muito bem-sucedido. Como você explica isso.

Pepe Moreno: Sim, foi um item de colecionador desde o começo.  Havia pessoas vindo com carrinhos de revistas para eu autografar. Porém, muito mais importante que a própria  comunidade de fãs de quadrinhos, foi a geração de técnicos que viram o álbum como um momento decisivo de transição tecnológica. Se a DC tivesse ouvido minha idéia de divulgá-lo fortemente entre a multidão de aficionados por computadores e tecnologia, poderíamos ter vendido muito mais cópias. Apesar disso, o álbum encontrou seu caminho nas revistas de informática e se espalhou por todo o mundo. Houveram centenas de artigos sobre ele em vários países. Foi um hit que tocou muitas pessoas, as quais eu continuo encontrando.

24 Quadros: Você realizou outros trabalhos em quadrinhos, mas deixou esse campo logo após o seu melhor - comercialmente falando - trabalho, dedicando-se aos jogos eletrônicos. Por que você deixou os quadrinhos e migrou para os games?

Dinheiro... era a próxima fronteira e a oportunidade era grande. Eu tinha alcançado o topo dos quadrinhos e não havia mais lugar para onde ir. Além disso, o mercado de publicações estava bastante defasado e decadente e eu estava no lugar certo e na hora certa. É interessante notar que havia um plano principal por trás disso: inicialmente, eu estava planejando fazer o primeiro game interativo de quadrinhos com Batman: digital justice, como uma continuidade natural. Primeiramente, com a Electronic Arts e depois com a Time Warner Interactive, mas o destino conspirou para que a DC (e os pesados interesses envolvidos no lançamento do grande filme do Batman) desistisse de nos dar a licença. Quer dizer, eu não podia ter a licença sobre minha própria criação e eles não podiam licenciá-la para eles próprios. Estava chocado e chateado de não poder ir adiante com isto, quando eu poderia ter ido. Haviam políticas envolvidas com as entidades do Time Warner Interactive e a máquina marketing-merchandising-Batman em prol do filme não desejava qualquer tipo de interferência de algo que pudesse despertar maior interesse que o filme - não tenho certeza se você soube disso, mas é verdade e é uma anedota para se contar, pelo menos. Nós mudamos as engrenagens mui rapidamente e eu criei Hell Cab [aventura interativa em Cd-rom que teve sua primeira tiragem esgotada na semana do seu lançamento]. Esse próprio quadrinho se tornou um mega hit e uma verdadeira indústria, o que me deu muito dinheiro. Então, eu não tinha razões para reclamar.

24 Quadros: É comum, nos quadrinhos, filmes e outros produtos culturais dos anos 1980, ver um mundo distópico e pós-apocalíptico - em termos narrativos -, bem como perceber uma notável influência  do design, no sentido artístico, tentando nos dar uma possível visão do futuro, marcado por personagens e cenários que pareciam ser o produto da mente de um estilista. Na sua opinião, havia um ambiente pessimista e uma maior experimentação por parte dos artistas naquele tempo? Havia maior interesse em criar as imagens de um possível futuro? Porque os artistas desse período pareciam tão interessados no futuro?

Pepe Moreno: A Segunda Guerra Mundial era meu tema favorito [na escola] e eu tinha algumas idéias em, relação a ele. Rebel foi o quadrinho sobre isso [a estória, escrita por Pepe, se passa numa Nova York destruída em consequência da Segunda Guerra Civil]. Realmente, aqueles foram bons tempos, do ponto de vista criativo. Eu era o único nos Estados Unidos fazendo algo do tipo à época e conquistei minha reputação. Quer dizer, era real, estava acontecendo e era ótima a possibilidade de se criar a obra que você desejava e que isso fosse publicado... e ter pessoas gostando disso (como uma alternativa aos super-heróis porcaria, como era, para várias pessoas). Eu era a alternativa e isso era maravilhoso. Francamente, os anos dourados dos quadrinhos - pelo menos para mim e para a minha carreira. Eu queria muito fazer algo substancial, dando prosseguimento [a isso] em Rebel e  em mesmo Batman.

Pessoalmente, aprecio muito o que você está fazendo e, por favor, transmita meus mais calorosos cumprimentos aos fãs para os quais você está escrevendo. Aqueles tempos se foram e é muito ruim que não possamos mais fazer coisas daquele tipo.

24 Quadros: Você foi influenciado por algum filme? Qual?

Pepe Moreno: Claro! Blade Runner e Mad Max - e talvez, então, Fuga de Nova York - eram os ícones cinematográficos para mim naquele tempo. [Também fui influenciado por] Syd Mead (meu amigo) [artista responsável visual de filmes como Blade Runner (Idem, EUA, 1982), Alien: o oitavo passageiro (Aliens, EUA, 1979) e Tron: uma odisséia eletrônica  (Tron, EUA, 1982)] Moebius (artista francês morto em 2012) e, claro, Richard Corben [quadrinista mais conhecido por suas estórias de horror e fantasia publicadas na revista Heavy Metal]. E Katsuhiro Otomo [criador de Akira], também, claro.

24 Quadros: Qual é a sua visão sobre Batman: digital justice, após tantos anos passados da sua publicação?

Pepe Moreno: Uau! Pergunta capciosa... deixe-me ver... pra começar, os gráficos são infernalmente datados (bordas irregulares e tudo mais) e isto é uma espécie de orgulho que ninguém pode tirar de mim. [o álbum] Era um produto do estado da arte de então, mas isso foi há 20 anos atrás. Por isso parece datado, mas eu gosto muito. Há vários projetos artísticos que foram sugeridos para mim a partir de imagens dele: exposições em galerias, etc. Parece também que a trama era autêntica (várias pessoas me disseram isso), enquanto para outras era vista como uma espécie de divisor de águas - ao mesmo tempo em que eu não ousaria mudar nada. Se era bom ou ruim, para mim ou para os outros, isso não importa, é o que era e ficará para sempre desse jeito.

24 Quadros: Como você vê a indústria de quadrinhos nos Estados Unidos atualmente?

Pepe Moreno: Eu não gosto do que vejo na maior parte do tempo. Embora ainda haja vários bons artistas, o modelo de negócios é uma porcaria e não funciona. Como consequência, houve uma fuga de talentos e a maioria dos melhores se foi. Não há inovação, também. Eu tive idéias ao longo dos anos e poderia ter feito coisas incríveis, mas não havia dinheiro e o esforço era grande demais para o retorno que você poderia ter. Em outras palavras: não tinha nenhum sentido, comercialmente falando.

24 Quadros: há mais de 20 anos você decidiu deixar o mundo dos quadrinhos e fundou a Digital Fusion, empresa dedicada ao desenvolvimento de projetos tecnológicos em games, design etc. Porque você decidiu fazer isso e quais foram suas principais motivações?

Não há porquê. Porque você agarraria a oportunidade da sua vida quando ela está bem na sua frente? E, especialmente, sendo você a única pessoa por lá e antes que não haja mais ninguém por perto?  De qualquer forma, obviamente, isto era novo, excitante e o ganho potencial era enorme. Lembre que isso foi antes de muitos dos games e dispositivos atuais terem sido inventados. E isto rendeu muita grana. Você pode imaginar o que é receber um cheque de U$$ 1 milhão após o lançamento de Hell Cab, um dos primeiros Cd-roms de jogos lançados? Não havia algo assim para se pensar nos quadrinhos, nem perto disso. Amo quadrinhos, mas detesto a indústria e o modo como os artistas são tratados pelos editores (na maior parte do tempo). Há mais amor nos quadrinhos, sim, mas dinheiro, não. [mas] Vou voltar a amar...

24 Quadros: quais são os seus projetos profissionais para o futuro?

Isto daria outra entrevista completa. Ultimamente, estou a todo vapor no mundo artístico e fazendo alguns trabalhos impressionantes. Ilustração, na maior parte do tempo, mas do tipo que você nunca viu (www.pepemoreno.com). Tenho alguns projetos tecnológicos em andamento, mas a economia ainda anda muito fraca por aqui para apoiar grandes projetos.



Ilustração do filho de Pepe usando a técnica do crosshatching

24 Quadros: Você já esteve no Brasil? Qual é a sua mensagem para os fãs brasileiros?

Não, mas eu sempre quis ir ao Brasil - e estou sendo sincero em relação a isso. O Brasil não estava na tournée [de lançamento de Batman: Digital Justice], mas, em retrospecto, deveria ter estado. Bem, além do que eu disse inicialmente, nós somos do mesmo planeta (da mesma galáxia, pelo menos) e é uma honra para mim que vocês tenham gostado da Graphic Novel. Talvez eu esteja exagerando, mas, de um ponto de vista emocional, é muito legal ter fãs dessa obra (e do meu trabalho?) no Brasil.

Entrevista elaborada por Gabriel Petter, via e-mail, em colaboração com Eduardo Pereira. Ilustrações: Pepe Moreno [alteradas para escala de cinza, por conta do design do blog, por Eduardo Pereira]. Tradução: Gabriel Petter. Realizada entre agosto e setembro de 2013.

Contato Pepe Moreno:

http://www.pepemoreno.com/



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