Fuga: Retrato de Larraín Enquanto Debutante
O primeiro filme de Pablo Larraín pode ser visto como uma obra à parte na filmografia do diretor e produtor chileno, mas já apresenta elementos do grande talento de um dos maiores nomes da nova geração de realizadores latino-americanos. O filme será exibido nessa sexta-feira, na Vila das Artes
FUGA (CHI/ARG, 2006), de Pablo Larraín: retrato de um artista enquanto (mais) jovem
Há duas coisas que vêm
imediatamente à cabeça de quem assiste Fuga (Idem, CHI/ARG, 2006), début de Pablo Larraín como diretor de
cinema: a primeira é que, de fato, quase nunca os primeiros filmes de ninguém
são os melhores. A segunda é que ainda está por se fazer um grande filme
envolvendo o universo musical.
Para quem assistiu à trilogia que
o realizador chileno dedicou ao período ditatorial em seu país, Fuga soará
como algo à parte em sua filmografia. Isso não quer dizer que se trate de um
filme ruim. Há coisas nele que estetas provavelmente apreciarão e desejarão assimilar nalgum trabalho futuro: uma delas é sua atmosfera vintage. Às vezes temos a impressão de
estarmos diante de um longa dos anos 1980, não obstante o filme tenha sido
lançado em março de 2006. O belo trabalho de direção de arte, aliado à
fotografia cambiante entre um registro “sujo” – um fetiche fotográfico de
Pablo, vide as imagens de sua filmografia posterior – e outro mais corretinho,
careta, até, consegue se destacar dentre os demais elementos da película, exatamente
porque o resto não funciona muito bem. O roteiro, com toques de horror movie não seduz o espectador mais
exigente e, quanto ao grosso das atuações, idem. Uma exceção é a bichinha maluca
vivida por Alfredo Castro – que, por sinal, iniciou sua profícua e fundamental
colaboração com Pablo após Fuga. Entretanto, se uma andorinha
não faz verão, um ator também não consegue salvar um filme.
Em Fuga temos a estória de Eliseo
Montalbán (Benjamín Vicuña, eficiente, se isso é dizer muito). Quando criança,
o prodigioso músico teve a traumática experiência de assistir à violação e
assassinato da própria irmã sobre um magnífico piano de cauda. Os movimentos do
corpo (já sem vida) sobre o instrumento, durante o estupro, produziram uma melodia que o futuro
regente e compositor transporia para a partitura sob o sugestivo título de “Rapsódia
Macabra”. Ocorre que, quando tocada,
invariavelmente a peça provoca alguma desgraça. Anos depois, naquela que seria a primeira apresentação da obra, uma espécie de exorcização dos fantasmas de Eliseo, a pianista (com a qual o músico mantinha um romance), morre pouco depois de iniciar a estranha melodia. Eliseo pira completamente e há um corte temporal na história, surgindo então Ricardo Coppa, (Gastón Pauls, completamente inexpressivo), músico que, a pretexto de resgatar a obra maldita de Montalbán, inicia uma busca obsessiva pelo trecho da partitura que completará a rapsódia. Paralelamente, em flash back, o espectador é informado sobre o pós-surto de Benjamín: internado num manicômio ralé - apesar do pai Senador -, conhece uma bichinha tresloucada que lhe propõe um plano de fuga. Longe do hospício, Benjamín acaba na Argentina, onde é descoberto por Ricardo e um pequeno grupo de músicos que ele arregimentara. Ricardo - não se sabe bem se músico medíocre e oportunista ou um autêntico apaixonado pela obra maldita de Eliseo. Numa pequena plataforma vogando sobre o mar, Montalbán executa o trecho final da sua peça, e o resultado... o espectador que tire suas conclusões.
Co-produção com a Argentina, Fuga foi um filme que não agradou nem ao próprio Larraín, mas está longe de ser uma obra maldita, como a Rapsódia Macabra. Sim, a música ainda é tratada como algo solene e mágico, reiterando a aura social condicionada pelo ideário romântico, quando o músico conheceu uma dignidade até então insuspeitada. Em geral, os filmes que envolvem o universo da música não se empenham em torná-la algo mais próximo da vida das pessoas, como ela de fato deveria ser - todos somos capazes de fazer música. Tudo bem, Larraín não é músico e nem pôde dar mostras de todo o seu brutal talento nesse primeiro filme, importante para quem deseja conhecer sua trajetória artística, muito bem sucedida a posteriori. De longe o maior nome da sétima arte na América Latina nos últimos anos, Pablo já provou sobejamente que é capaz de produzir obras dignas dos públicos mais exigentes e não acumulou tanto prestígio, em tão pouco tempo, à tôa. E, se no seu primeiro filme, ele peca, isso é mais do que humano. Quem tem Tony Manero, Post-Mortem e No: Adeus, sr. Pinochet no currículo, merece qualquer indulgência.
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