CINECLUBISMO É COISA SÉRIA - Cinema o é MAIS AINDA
Com quase três anos de atuação, o cineclube 24 Quadros é um dos poucos a se manter ininterruptamente, oferecendo ao público excelente programação e troca de ideias sobre cinema, evitando o emprego de filmes como mero mote para a discussão de assuntos afins. Para 2014, planejamos ações que disseminem nossa filosofia teórico/prática sobre o cinema e consolidem uma relação com a sétima arte marcada pela fruição e pela curiosidade e não pelo intelectualismo estéril da mediação academicista
Gabriel Petter
Cineclube 24 Quadros: Cinema é nosso beabá e não uma muleta pedagógica
Se há uma situação ilustrativa da ignorância acerca do que consiste um cineclube e do que é cinema enquanto (maravilhosa) forma de arte é aquela em que o sujeito, normalmente ligado a alguma instituição de formação e/ou promoção de cultura (universidades, por exemplo), chega com a ideia de exibir determinados filmes que "falem sobre determinado assunto", normalmente ligado a sua respectiva área de especialidade. E tome "Cine Sociologia", "Cine Medicina" etc (com todo respeito aos respectivos cursos) e o emprego de películas como mero suporte para se encetar os mais variados assuntos, olvidando que filmes não são muletas pedagógicas, mas obras artísticas as quais, não pairando acima da sociedade, tampouco podem ser fruídas enquanto algo acessório, destituído de qualquer valor intrínseco se não contar com atributos de ordem puramente intelectual.
Sim, cineclubes são espaços - entre muitos outros - de formação e reflexão. Mas isso não significa nem que eles devam ser lugares chatos e nem que seus eventos se convertam em momentos de dessacralização do cinema. O público que procura um lugar para assistir à filmes deseja, antes de tudo, ver boas películas e trocar ideias sobre as mesmas. De que importa, afinal, falar sobre o período ditatorial no Brasil a partir da exibição de bombas como Terra em Transe (BRA, 1967) ou O que é Isso, Companheiro? (BRA, 1997)? Ninguém se lembrará do belo discurso do eminente palestrante convidado - em geral completamente ignorante acerca de artes em geral e de cinema em particular - caso o trabalho exibido seja uma bela de uma porcaria, assim como ninguém lembra de um jantar cujo prato principal não tenha caído bem. Infelizmente, a falta de cuidado e bom senso na composição da programação da maior parte dos cineclubes não tem sido uma exceção, mas a regra: há pouco tempo, por exemplo, tive o desprazer de assistir a uma "explanação" de um filósofo convidado a comentar um filme alegórico acerca de regimes totalitários que esbanjava desconhecimento completo acerca das mais elementares informações acerca da obra exibida - sobre cinema, então, melhor nem comentar.
Cineclubes são, acima de tudo, espaços propícios ao cultivo da cinefilia. Muito mais importante do que FALAR SOBRE filmes é assistir aos mesmos. Especialmente quando o (s) cineclubista (s) pretende aventurar-se sobre o métier da sétima arte. Creiam-me, na hora em que você pisar num set de filmagem, Gilles Deleuze ou Andrei Tarkovsky - para falar sobre dois pensadores cujas ideias acerca da arte do filme se tornaram coqueluche entre professores e estudantes de cinema - e suas ideias não servirão de nada. O que valerá, de fato, para além do conhecimento teórico emprestado de outras ciências, será o cabedal de referências concretas acumulado ao longo do tempo. Não é possível se apreciar filmes sem vê-los - ou compreendê-los de forma enviesada, sob o ponto de vista de determinada ciência ou campo do conhecimento -, da mesma forma que não é possível realizar um bom filme sem a experiência da assistência à diversos outros. Ocorre que em nosso país, onde sequer a atividade do realizador audiovisual é regulamentada, impera um academicismo idiota que pretende "converter" o cinema em "coisa séria". Procurar conferir algum estatuto de cientificidade à sétima arte é tão fútil quanto a "análise de discurso" contida nas letras de canções da chamada música popular brasileira. Gozado isso: somos um país musical onde as pessoas, por conta do mesmo tipo de petulância que procura transformar uma película em objeto de culto para iniciados (e por outros determinantes sociais, obviamente), se preocupam muito mais em "ler música" - literalmente, buscando sentidos ocultos em letras - do que vivenciá-la in plenum, para além do puro pensamento. O mesmo ocorre com o cinema, arte eminentemente massiva e industrial, a qual, no Brasil, é visto ora como instrumento do imperialismo yankee (faça-me o favor!) ora como um híbrido de obra para galeria eivada de má filosofia, para a alegria da ignorância e burrice gerais. Sim, cinema é uma arte híbrida, mas que possui uma unidade de significado que a distingue dos demais campos artísticos. A pretensão à "expansão do cinema" ou a (proposital) despretensão à definir a chamada sétima arte equivalem a uma contribuição ao esforço de torná-la ambígua, a tal ponto em que ela fique totalmente descaracterizada. A isso chamam de "vanguarda". Se é assim, melhor ser quadrado mesmo... A dissociação radical entre consciência crítica (e especialmente autocrítica) e pensamento reflexivo, na modalidade no qual o mesmo é praticado nos diversos espaços de formação - quase sempre redundando em pura masturbação ideológica ou se desdobrando em debates miseravelmente medíocres -, aliada a um intelectualismo que prima mais pela citação que pela assimilação - crítica, sobretudo - e pela ridícula desvalorização do conhecimento técnico, do estudo sério e do trabalho (estudantes de cinema, notoriamente, provém dos estratos privilegiados da sociedade) em nosso país, confere às obras de arte uma espécie de distintivo social, que procura absorver mesmo as expressões da (petulantemente) chamada "baixa cultura", sob uma afetada sensibilidade camp que faria Susan Sontag corar de constrangimento.
Cineclubes são, acima de tudo, espaços propícios ao cultivo da cinefilia. Muito mais importante do que FALAR SOBRE filmes é assistir aos mesmos. Especialmente quando o (s) cineclubista (s) pretende aventurar-se sobre o métier da sétima arte. Creiam-me, na hora em que você pisar num set de filmagem, Gilles Deleuze ou Andrei Tarkovsky - para falar sobre dois pensadores cujas ideias acerca da arte do filme se tornaram coqueluche entre professores e estudantes de cinema - e suas ideias não servirão de nada. O que valerá, de fato, para além do conhecimento teórico emprestado de outras ciências, será o cabedal de referências concretas acumulado ao longo do tempo. Não é possível se apreciar filmes sem vê-los - ou compreendê-los de forma enviesada, sob o ponto de vista de determinada ciência ou campo do conhecimento -, da mesma forma que não é possível realizar um bom filme sem a experiência da assistência à diversos outros. Ocorre que em nosso país, onde sequer a atividade do realizador audiovisual é regulamentada, impera um academicismo idiota que pretende "converter" o cinema em "coisa séria". Procurar conferir algum estatuto de cientificidade à sétima arte é tão fútil quanto a "análise de discurso" contida nas letras de canções da chamada música popular brasileira. Gozado isso: somos um país musical onde as pessoas, por conta do mesmo tipo de petulância que procura transformar uma película em objeto de culto para iniciados (e por outros determinantes sociais, obviamente), se preocupam muito mais em "ler música" - literalmente, buscando sentidos ocultos em letras - do que vivenciá-la in plenum, para além do puro pensamento. O mesmo ocorre com o cinema, arte eminentemente massiva e industrial, a qual, no Brasil, é visto ora como instrumento do imperialismo yankee (faça-me o favor!) ora como um híbrido de obra para galeria eivada de má filosofia, para a alegria da ignorância e burrice gerais. Sim, cinema é uma arte híbrida, mas que possui uma unidade de significado que a distingue dos demais campos artísticos. A pretensão à "expansão do cinema" ou a (proposital) despretensão à definir a chamada sétima arte equivalem a uma contribuição ao esforço de torná-la ambígua, a tal ponto em que ela fique totalmente descaracterizada. A isso chamam de "vanguarda". Se é assim, melhor ser quadrado mesmo... A dissociação radical entre consciência crítica (e especialmente autocrítica) e pensamento reflexivo, na modalidade no qual o mesmo é praticado nos diversos espaços de formação - quase sempre redundando em pura masturbação ideológica ou se desdobrando em debates miseravelmente medíocres -, aliada a um intelectualismo que prima mais pela citação que pela assimilação - crítica, sobretudo - e pela ridícula desvalorização do conhecimento técnico, do estudo sério e do trabalho (estudantes de cinema, notoriamente, provém dos estratos privilegiados da sociedade) em nosso país, confere às obras de arte uma espécie de distintivo social, que procura absorver mesmo as expressões da (petulantemente) chamada "baixa cultura", sob uma afetada sensibilidade camp que faria Susan Sontag corar de constrangimento.
"A dissociação radical entre consciência crítica (e especialmente
autocrítica) e pensamento reflexivo, aliada a um intelectualismo que prima mais pela citação que pela assimilação - crítica, sobretudo - e pela ridícula desvalorização do conhecimento técnico, do estudo sério e do trabalho em nosso país, confere às obras de arte uma espécie de distintivo social, que procura absorver mesmo as expressões da (petulantemente) chamada "baixa cultura", sob uma afetada sensibilidade camp que faria Susan Sontag corar de constrangimento".
Não pretendemos, sob hipótese nenhuma, contribuir para este estado de coisas. Para nós, pessoas que vivem o cinema - e não pretendem usá-lo como meio para alcançar outros fins -, é fundamental que o papel formador de (e do) público se expanda para além da pura exibição de filmes e que esta ação (a exibição) propicie sobretudo o contato com diferentes expressões da sétima arte - muitas das quais inacessíveis à imensa maioria das pessoas - e não debates inócuos sobre aspectos atinentes à outras freguesias, "vislumbrados" na obra. Com mais de uma centena de exibições de filmes que contemplaram, da sempre grandiosa cinematografia norte-americana, ao cinema experimental de autores que botaram muita gente para fora da sala de exibição, mas que merece ser visto - nem que seja para se saber o que é um filme ruim -, o Cineclube 24 Quadros encaminha-se para seu terceiro ano de atividades ininterruptas, provando que é possível manter uma boa atividade cultural em nosso país - sem cair na desgraça da descontinuidade - e que (pasmem!) trabalho em grupo funciona, sem a necessidade de algum especialista em recursos humanos para "mediar conflitos". Tudo isso porque fazemos esse trabalho - contando com o sempre valioso apoio da Escola Pública de audiovisual da Vila das Artes, com a cessão de espaço e equipamentos de projeção - não-remunerado com muito amor e senso de responsabilidade em relação ao nosso público, procurando sempre oferecer-lhe a oportunidade de experienciar as mais diversas expressões da sétima arte com o fito de inocular-lhe o gérmen da curiosidade, que é a base não só da cinefilia, mas da evolução de toda e qualquer pessoa que se aventure no espinhoso, mas maravilhoso mundo do conhecimento. Sim, cinema também é um dos elementos integrantes da formação cultural humana. E para isso não é necessário alguém explicando o que um filme significa: basta fazer o que o cinema vem praticando há mais de um século: envolver e emocionar o público. Se o papel fundamental da educação em nossos dias é oferecer elementos para a auto-descoberta dos próprios educandos em relação aos seus interesses e potencialidades, a assistência frequente à filmes, o contato referencial e prático com seus elementos constituintes, a despeito de qualquer tipo de mediação "especializada", é fundamental para o desenvolvimento do gosto estético, para o estímulo à atividade artítico-cultural, assim como para o fomento de novas ideias, vide o estado miserável em que as mesmas se encontram no Brasil.
O cineclube 24 Quadros agradece a todos que, ao longo desses quase três anos, prestigiaram nossas mostras e reserva novidades para o ano vindouro: pela primeira vez em nosso Estado - talvez em nosso país - um cineclube organizará o embrião de um futuro festival de cinema, a Mostra Livre de Cinema, a qual contemplará produções brasileiras e estrangeiras inéditas no circuito de exibição cearense. Durante este mesmo evento, ofereceremos gratuitamente um mini-curso de formação contemplando a técnica, a estética e a história do cinema, apresentando ao público, de forma direta, o que significa a teoria e a prática do cinema para nós. O blog do grupo continuará a servir como guia do que apresentaremos em nossas sessões, mas deverá também continuar a ser um espaço para a veiculação de entrevistas e matérias sobre cultura em geral, posto que a relação entre o cinema e as demais artes não é, nunca foi e nunca será mutuamente exclusiva. E, claro, continuaremos a oferecer ao público o melhor da cinematografia mundial, tendo em vista obras que, dificilmente, podem ser acessadas pela grande maioria do público, ensejando um trabalho de pesquisa e curadoria que só nos enche de prazer - o prazer do cultivo e da difusão do conhecimento. Cineclubismo é coisa séria. Cinema, mais ainda.
MEMBROS
Eduardo Pereira
Gabriel Petter
Luis Carlos Oliveira
Pierre Grangeiro
O cineclube 24 Quadros agradece a todos que, ao longo desses quase três anos, prestigiaram nossas mostras e reserva novidades para o ano vindouro: pela primeira vez em nosso Estado - talvez em nosso país - um cineclube organizará o embrião de um futuro festival de cinema, a Mostra Livre de Cinema, a qual contemplará produções brasileiras e estrangeiras inéditas no circuito de exibição cearense. Durante este mesmo evento, ofereceremos gratuitamente um mini-curso de formação contemplando a técnica, a estética e a história do cinema, apresentando ao público, de forma direta, o que significa a teoria e a prática do cinema para nós. O blog do grupo continuará a servir como guia do que apresentaremos em nossas sessões, mas deverá também continuar a ser um espaço para a veiculação de entrevistas e matérias sobre cultura em geral, posto que a relação entre o cinema e as demais artes não é, nunca foi e nunca será mutuamente exclusiva. E, claro, continuaremos a oferecer ao público o melhor da cinematografia mundial, tendo em vista obras que, dificilmente, podem ser acessadas pela grande maioria do público, ensejando um trabalho de pesquisa e curadoria que só nos enche de prazer - o prazer do cultivo e da difusão do conhecimento. Cineclubismo é coisa séria. Cinema, mais ainda.
MEMBROS
Eduardo Pereira
Gabriel Petter
Luis Carlos Oliveira
Pierre Grangeiro
Prezados Colegas,
ResponderExcluirJá disse uma vez que esse Cineclube 24 Quadros se diferencia dos outros que tenho frequentado exatamente pelo fato de que no "24Q" realmente discutimos a apaixonante 7ª Arte. Aplaudo muito disso. Por outro lado, sou também defensor ideia de "a arte imita a vida"; sendo assim, acho muito interessante que amantes do cinema se arvorem dessa apaixonante - repito - 7ª arte para discutirem os problemas da vida real, fazendo um saudável amálgama entre cinema e outras áreas do conhecimento; acho isso positivo.
No mais, gostaria de externar aqui a minha satisfação em participar desse notável Cineclube e desejar que os intentos dos colegas encetadores dese "CC" sejam conseguidos.
Valeu...
Caro Paulo:
ExcluirSem dúvida o cinema não paira acima das questões sociais, mas é imperativo, antes de tudo, que o cinema seja o foco principal dos debates encetados nos cineclubes e não como algo acessório nos mesmos. Nós agradecemos muito a presença de pessoas como você, atenciosas, participativas e educadas. É muito bom quando o público tem tanta qualidade quanto os trabalhos que exibimos. Muito obrigado.