OS IMPLACÁVEIS - O Reencontro do "Poeta da Violência" com "The King of Cool"

Dando prosseguimento à última mostra do Grupo 24 Quadros de 2013, dedicada aos durões do cinema, exibiremos, nessa sexta, Os Implacáveis. Maiores informações sobre o filme em excelente texto assinado por Luca Salri

 
Sam Peckinpah e Steve McQueen: dois talentos típicos dos anos 1970


Por Luca Salri

No início dos anos 70, Steve McQueen (1930-1980) era um astro. Estrelara sucessos de bilheteria - como Fugindo do Inferno (The Great Escape, EUA, 1963) e Sete Homens e Um Destino (The Magnificent Seven, EUA, 1960) -, recebera uma indicação ao Oscar por sua performance em O Canhoneiro de Yang-tsé (The Sand Pebbles, 1966) e consagrara-se como astro de filmes de ação. Notabilizara-se, também, por recusar papeis em filmes que seriam sucesso com outros atores, como Butch Cassidy (Butch Cassidy and The Sundance Kid, EUA, 1969) - Paul Newman/Robert Redford, Perseguidor Implacável (Dirty Harry, EUA, 1971) - Clint Eastwood, Operação França (The French Connection, EUA, 1971) - Gene Hackman e Um Estranho no Ninho (One Flew Over the Cucoo's Nest, EUA, 1975) Jack Nicholson). Era conhecido pela alcunha The King of Cool - O rei dos descolados, em tradução livre. O apelido não podia ser mais apropriado, considerando seu estilo impecável de atuar, sua paixão por  máquinas velozes e sua fama de garanhão. McQueen chegava à metade da década de 1970 como o ator mais bem pago de Hollywood. 

Na mesma época, o diretor Sam Peckinpah (1925-1984) já acumulava grandes filmes, fãs e problemas com os grandes estúdios. Possuía fama de violento, difícil, alcoólatra... em suma, de convivência quase impossível. Suas obras eram perseguidos por segmentos moralistas, os quais sacrificavam impiedosamente as películas do poeta da violência - para se ter dimensão, basta dizer que Meu Ódio Será sua Herança (The Wild Bunch, EUA, 1969) chegou aos cinemas brasileiros numa versão com 35 minutos a menos! -, apelido que o cineasta norte-americano ganhou das brilhantes sequências de violência que elaborou, repletas de simbolismo e câmera lenta. Mesmo com a péssima fama, Peckinpah era valorizado na "Nova Hollywood", dominada por diretores com obras ousadas e influenciou realizadores de diversas gerações, incluso nomes como Robert Rodriguez e Quentin Tarantino. 

Atores e diretores eram duas personalidades em alta no mainstream hollywoodiano na década de 1970. Seria apenas uma questão de tempo para a união entre um astro de filmes de ação com um diretor que se notabilizara pela estilização da violência se tornar realidade. A parceria entre McQueen e Peckinpah foi iniciadaem 1971, com Dez Segundos de Perigo (Junior Booner, EUA, 1971). Entretanto, o filme não teve sucesso entre o público e a aproximação inicial dos dois mestres tornou-se numa experiência frustrante. No mesmo ano, ambos se reencontram para dar início às gravações de Os Implacáveis (The Getaway, EUA, 1972), baseado no livro homônimo de Jim Thompson - publicado em 1958. Havia tempo que McQueen não fazia sucesso nas bilheterias e precisava de um bom filme para atrair seus fãs, apostando num anti-herói ao estilo Humphrey Bogart. Reza a lenda que Steve era muito cuidadoso ao escolher uma personagem, e que esta precisava ser mais importante que a ação. Foi em tais circunstâncias que surgiu Os Implacáveis. Walter Hill assinou o roteiro e Peckinpah foi chamado à direção. A atriz Ali MacGraw foi a última a se juntar à equipe. Pronto! O filme, encabeçado pela dupla McQueen/Peckinpah, orçado em U$$ 3 milhões foi rodado em apenas seis semanas. 

Duas personalidades fortes poderiam trazer problemas para a produção, mas estes, na realidade, não ocorreram. Entretanto, isso não quer dizer que tudo corria às mil maravilhas. Peckinpah e parte do elenco abusava da bebida, ao mesmo tempo em que o diretor, amigável com o elenco, mostrava-se irascível com a equipe de produção - resultado do consumo exagerado de drogas. Não obstante, o que chamou mais a atenção foi o tórrido relacionamento entre os protagonistas do longa. Ali McGraw, então casada com o produtor Robert Evans, não resistiu ao charme de McQueen. A vida, mais uma vez, imitou a arte. As divergências entre o diretor e o astro não comprometeram o resultado final da película. Ainda que a pós-produção tenha ficado sob o controle de McQueen, a marca autoral de Peckinpah foi preservada, mesmo com os carros e comboios substituindo cavalos e carroças - estes últimos tão presentes nos western  relizados pelo diretor. 

Não vamos nos preocupar com a sinopse do filme ou com pontos negativos do mesmo. É importante ressaltar que Os implacáveis é um exemplo típico dos filmes de ação dos anos 70, que funciona bem. Possuía uma narrativa enxuta e bem orquestrada por Walter Hill, com o estilo do diretor bastante presente, além da química entre os protagonistas e da trilha bem setentista de Quincy Jones. No mais, há um cinismo nos personagens (caricatos ou não), o anti-herói se dando bem no final com a mocinha, maioria das cenas realizadas fora do estúdio, perseguições de carros, tensão e Steve McQueen em boa forma.

O principal destaque do filme com certeza é McQueen. Ele soube encarnar com maestria o durão dos anos 70. Nada de um brucutu de corpo sarado, como se veria na década seguinte. Sua postura e atitude diante do perigo eram maiores que seus músculos. Seu Doc. McCoy é sisudo, não gosta de brincadeiras; esbofeteia sua amada Carol; esmurra a cúmplice do ex-comparsa; ameaça crianças; atira e dirige bem. Tudo seria em vão se não houve a seriedade do ator com sua profissão. Steve era obsessivo na busca pela autenticidade em seus personagens. Ele se interessava pelos detalhes em sua preparação (o corte de cabelo, o paletó rasgado, os carros amassados dirigidos por McCoy passaram pelo crivo do ator). O protagonista fala pouco durante o filme- McQueen acreditava que a condição de um criminoso falante com diálogos longos não transmitiria verossimilhança ao público. Uma coisa é certa, Steve MacQueen transmitia bastante verossimilhança ao público através de seus diversos personagens assim como o seu Doc. McCoy.


O filme foi lançado em dezembro de 1972 e se tornou um sucesso nas carreiras de Steve McQueen e do próprio Peckinpah.  Depois eles seguiram suas vidas separadamente. MacQueen separou-se de Ali Macgraw e morreu em 1980. Sam Peckinpah seguiu dirigindo outros filmes e morreu em 1984. Suas mortes abreviaram seus talentos, mas eternizaram seus trabalhos. Mortes abreviadas são como pessoas em fuga. Nos pegam de surpresa, não sabemos para onde foram, mas sabemos que lembranças elas nos deixaram.

Comentários

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

NOVE E MEIA SEMANAS DE AMOR - Erotismo à lá anos 1980

EU – Walter Hugo Khouri em Grande Estilo

ENTREVISTA - Hanna Korich e Laura Bacellar