Joia rara da filmografia de Peter Jackson, o pequeno grande Almas Gêmeas será exibido pelo cineclube 24 Quadros, dentro da mostra de cult movies dos anos 1990. Estrelado pela então estreante Kate Winslet, o longa abriu as portas da indústria cinematográfica estadunidense tanto para a atriz inglesa como para o diretor neozelandês que assinaria a direção de mega-produções e se consagraria como um dos mais versáteis e talentosos cineastas da sua geração

 Kate Winslet e Melanie Linskey em Almas Gêmeas, que será exibido nessa sexta, dia 16 de maio, pelo Cineclube 24 Quadros

Por Gabriel Petter


"E então, fizemos amor como os deuses..."

As poucas pessoas que assistiram à Almas Gêmeas (Heavently Creatures, NZL, 1994), em festivais ou em raras exibições na televisão aberta, nunca o esqueceram. É impossível. Não estamos falando de um filme comum. Tudo é estranhamente encantador nessa película conduzida com raro talento e sensibilidade pelo neozelandês Peter Jackson, um dos poucos diretores contemporâneos dignos de ostentar essa condição profissional. Um artista que começou fazendo excelentes filmes ruins - como Náusea Total (Bad Taste, NZL, 1983) e Fome Animal (Braindead, NZL, 1992), assistência obrigatória no top 100 dos melhores trashes de todos os tempos, dificilmente se adaptaria à produções mais "sérias", não fosse este o moço de feição nerd e inegável genialidade que logo faria carreira na indústria cinematográfica.

Almas Gêmeas é o tipo de filme muito bem adaptado ao seu meio: tudo nele é meio lúgubre e deslocado. Situado 40 anos antes do seu lançamento - a estória se passa em 1954, na remota Christchurch, Nova Zelândia (um autêntico fim de mundo) -, foi inteiramente rodado nas mesmas locações onde as personagens envolvidas no fatídico homicídio que chocou a pequenina  cidade viveram. Para temperar ainda mais a confusão entre realidade e fantasia, descobriu-se que Juliet Hume, que ajudou sua namorada, Pauline Parker, a assassinar a própria mãe, vivia no Reino Unido, e sob o pseudônimo Anne Perry, era uma bem-sucedida escritora de romances policiais. 

Ok, curiosidades não fazem uma grande película. Ainda bem que não estamos falando de uma lenda que se tornou filme, mas quase do inverso. Autêntico cult movie da década de 1990, esta pérola negra da filmografia de um Peter Jackson ainda distante das mega-produções hollywoodianas é um artigo raro nas prateleiras de cinéfilos. Demorei anos para encontrá-lo, casualmente, a preço módico e como item único. Eclipsado por trabalhos mais populares do diretor neozelandês, Almas Gêmeas atualmente é mais conhecido por ter revelado a estrelinha Kate Winslet, que se consagraria definitivamente, anos depois, participando do horrendo Titanic (Idem, EUA, 1997). Foi por conta do sucesso do épico de James Cameron que a Globo exibiu a fita de Jackson, na madruga, quando tanto o diretor como a sua obra serviam de escada para o sucesso da estrela ascendente. Com a trilogia de O Senhor dos Anéis a relação se inverteria, mas, no início do novo milênio, o fetiche por efeitos visuais e o império de estrelas com muito poder e pouco talento educariam uma nova geração sedenta por evasão sem conteúdo ou, num outro extremo, de masturbação intelectualoide pretensiosa. Nada mais do bom e velho caldo pirlimpimpim, simples e eficaz. Filme bom de verdade se tornou artigo de luxo, relativamente acessível, mas apenas para iniciados. Almas Gêmeas faz parte daquele conjunto de obras cujo conhecimento deve ser mediado por iniciados no assunto. Lamentável, mas natural num contexto onde, paradoxalmente, o enorme volume de informações à disposição não encontra um desejo de saber correspondente. Mas essa é uma questão maior do que esse modesto espaço.

Baseado nos diários escritos por Pauline Parker e centrado na relação homossexual que uniu as duas adolescentes num idílio que lhes conduziria à desgraça, o longa traz várias passagens inesquecíveis, marcadas pela fantasia que pontuava a relação das duas amantes do cinema, delicadamente transpostas ao écran pelos sofisticados efeitos especiais elaborados por Jackson. Uma das frases mais marcantes (pelo menos para mim), do excelente roteiro é aquela que conclui a descrição da primeira noite de amor das duas personagens, e que serve de epígrafe para este texto. O amor é lindo, mas, infelizmente, às vezes também destrói. Entretanto, não cabe julgar o crime que já foi sepultado pelo tempo, mas prestigiar essa obra sensível e impressionante como poucas no cinema contemporâneo. Uma experiência única, em todos os sentidos.


Comentários

  1. Gabriel, valeu pelo comentário... Já assisti esse, tenho aqui em casa, mas vou prestigiá-lo novamente.

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