DE VOLTA ÀS ORIGENS

Motoqueiros te lembram velhinhos barbudos com surrados casacos de couro puído nesses tempos de muito make up e madeixas alisadas? Ok, sua imagem não é das mais "modernas", mas na década de 1980, em meio ao caos instalado pelo Neoliberalismo de um lado e a recessão econômica de outro, essa figura rebelde por natureza - com ou sem causa - fazia todo o sentido. Responsável por grandes outras cinematográficas (e outras nem tanto), Francis Ford Copolla soube como poucos captar o espírito desse tempo num filme despretensioso que marca a estreia do seu sobrinho, o (ator?) Nicholas Cage - à época Nicholas Copolla - no cinema. Em texto assinado por Eduardo Pereira, um pouco mais dessa pequena obra esquecida em meio a uma grande época para os arrasa-quarteirões


Selvagem da motocicleta será exibido nessa sexta-feira, dia 10 de outubro, no cine-clube 24 Qaudros, na Vila das Artes
 
Por Eduardo Pereira

Após concluir Apocalipse Now (Idem, EUA, 1979), o diretor Francis Ford Copolla começou a trabalhar num filme de orçamento modesto, rodado em preto e branco e com elenco formado, em sua maioria, por atores estreantes, chamado O Selvagem da Motocicleta (Rumble Fish, EUA, 1983), misto de homenagem aos filmes dos anos 1950, os quais focavam seus enredos na figura emblemática do jovem rebelde e, ao mesmo tempo, um retorno do realizador ao seu modus operandi de início de carreira, ou seja, orçamento magro, estilo mais cru de filmagem e enredo que se sustenta em diálogos convincentes e cenas dramaticamente impecáveis. 

O filme centra sua ação na figura do jovem Rustly James (Matt Dillon), líder - às vezes não - de uma gangue de delinquentes que moram na pequena cidade de Tulsa. O interessante no enredo é que vemos Rustly vivendo à sombra da fama do irmão que foi um "motoqueiro" e líder de uma antiga gangue, a qual ficou famosa outrora por aterrorizar a vida de muitas pessoas da cidade. Por conta do seu passado, o irmão de Rustly arranjou sérios problemas com as autoridades locais e teve que dar o fora. 

Retrato de uma América decadente em plena década do neoliberalismo: eis O Selvagem da Motocicleta, que será exibido nessa sexta, na Vila das Artes

Entretanto, ao longo da estória, o que vemos na verdade é a desconstrução do mito dos rebeldes sem causa, apresentando-se em seu lugar jovens americanos sem perspectivas, autodestrutivos, ao mesmo tempo apegando-se a pequenas esperanças que os levam a becos sem saída. Este é um filme feito por Francis para expor a América sem esperanças da sua adolescência, os quais contrariavam completamente os EUA glamorosos que lhes eram apresentados em matinês cinematográficas. No fim, ele expõe pequenas tragédias ético-morais. O retrato de pessoas que nunca realizaram o Sonho Americano. 

Este filme também marca a segunda adaptação que Copolla fez da obra  da escritora S. E. Hilton. A primeira foi Vidas sem Rumo (Outsiders, EUA, 1983). Uma das grandes sacadas de Francis foi gravar em vídeo preto e branco todos os ensaios, o que ajudou os atores e o diretor na tomada de decisões no tocante à composição e nas interpretações. A fotografia esbanja sombras, ângulos oblíquos composições exageradas, além de fumaça e neblina em muitas cenas, traindo a influência do Expressionismo alemão. 

Selvagem da Motocicleta ficou famoso entre os aficionados da sétima arte por não ter tido uma ligação evidente com a maioria dos filmes dos anos 1980, sobretudo em termos estéticos. Um clássico do "remando contra a maré". 

O Selvagem da Motocicleta (Rumble Fish, EUA, 1983) será exibido nessa sexta-feira, dia 10 de outubro de 2014, na Vila das Artes. A entrada é (sempre) franca.

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