Quando um Horror Movie mete medo: O Iluminado, de Stanley Kubrick
Um dos filmes mais populares do genial Stanley Kubrick, O Iluminado será exibido nessa sexta-feira, dentro da mostra Stephen King no Cinema, realizada pelo Grupo 24 Quadros durante o mês de agosto. Um dos raros horror movies capazes de provocar medo (e não risos) no público, mesmo após mais de 30 anos do seu lançamento, essa outra obra-prima de Kubrick desperta todo tipo de debate, incluindo, claro, as possibilidades artísticas de obras a princípio populares - e por isso julgadas "menores" por críticos de nariz empinado. Azar: o filme continua sendo uma maravilha, sem precisar de nada nem ninguém para prová-lo
De dar medo: Jack Nicholson como o tresloucado Jack Torrance em O Iluminado |
Por Gabriel Petter
Puxe pela memória: você se lembra da sensação de medo que os filmes de horror lhe causavam na sua mais tenra infância? Não se envergonhe se hoje isso parece ridículo, quando você revê as películas que lhe fizeram desejar dormir de luz acesa por algumas noites e constata que seus monstros se tornaram (aos seus olhos adultos) em criaturas inócuas e um tanto risíveis. Mesmo os monstros envelhecem, sobretudo os caricaturais. Figuras bizarras como Chuck, de Brinquedo Assassino (Child's Play, EUA, 1988), ou Jason, da série Sexta-Feira 13 (Friday the 13th, EUA, 1980), descambam fácil para o humor, assim como outras históricas criaturas que hoje são dignas de uma comédia trash.
Entretanto, existe outra classe de filmes de horror que procuram não personificar - ou melhor, deformar - o mal, explorando sutilezas psicológicas que, se não são facilmente absorvidas por crianças e adolescentes ansiosos por entretenimento descompromissado, conseguem mexer com as estruturas de quem espera, debalde, umas horas de terror restrito à sala de cinema. São obras como A Profecia (The Omem, EUA, 1976), onde o terror reside muito mais no que não pode ser visto, Louca Obsessão (Misery, EUA, 1989), onde o monstro é real, mas não menos perigoso e, claro, O Iluminado (The Shining, EUA, 1980).
Não por coincidência estas são três películas de excelentes diretores, roteiristas e atores. Algo que ressalta nos filmes de horror que beiram o trash são os sets infelizes, com a escalação de equipes que comprometem a qualidade de qualquer obra. Nesses trabalhos é comum nos depararmos com argumentos inconsistentes, atuações meia-boca, roteiristas preguiçosos e diretores pouco inspirados, que procuram compensar estas deficiências com risíveis "defeitos" especiais. Isso por uma razão (se é que podemos falar assim) indefensável: ainda hoje, horror movies são considerados como "menores", face a coisas mais "relevantes", como filmes sem pé nem cabeça que ganham prestígio proporcional ao seu nível de hermetismo - tendo, inclusive, festivais exclusivos dedicados ao "gênero". Isso é banal, por uma razão - essa, sim, consistente: filmes são, acima de tudo, artigos de entretenimento, e só podem ser classificados como bons ou ruins, o que equivale a bem ou mal-feitos. E isso nada tem a ver com expertise técnica e nem com "conteúdo", mas com talento e profissionalismo, duas coisas que não combinam (nada) com quem se leva a sério demais.
Que o diga Stanley Kubrick. Afinal, o que motivaria um artista altamente respeitado a empreender a releitura de um livro do popularíssimo, mas menosprezado (adivinha por que classe de bocós?) Stephen King? Não era por dinheiro, coisa de que ele nunca precisou; nem por flerte com o cinema mais comercial, posto que Kubrick não era um realizador de filmes "cabeça". Ocorre que Stanley, assim como Richard Donner e outros gênios do cinema comercial de alta classe, simplesmente se tocou que a obra de King era tão substancial quanto a de qualquer autor laureado do seu tempo e aprendeu com o aforismo de Oscar Wilde ("Existem apenas livros bem ou mal-escritos"). Embora tenha desagradado ao próprio escritor e aos seus fãs com sua releitura - chamá-lo de adaptação seria inadequado - de O Iluminado, de nenhuma forma tratou a obra como algo de somenos importância.
Quando as imagens valem mais que as vozes "autorizadas". Quer algo mais arrepiante que a visão dessas duas adoráveis criaturinhas? |
A prova é no que resultou o longa, um dos últimos da bissexta carreira do diretor estadunidense: uma autêntica obra-prima (aliás, mais uma na filmografia de Kubrick) e o primeiro filme de Stanley a ser lançado de forma massiva no circuito comercial. O impacto do longa foi tal que o então jovem e já consagrado diretor Martin Scorsese, impressionado com o que viu em tela, elencou o filme entre os 11 mais aterrorizantes de todos os tempos. E mais: confessou, posteriormente, que perdeu várias noites de sono, despertado por pesadelos provocados pela comoção que o filme lhe causara.
Não à tôa: a estória é de fato apavorante. O escritor fracassado e alcoólatra Jack Torrrance (Jack Nicholson, sempre dando um show!), resolve assumir um emprego como zelador no gigantesco Overlook Hotel, no Colorado, durante as férias de inverno, levando sua esposa, Wendy (Shelley Duvall, fraquinha, fraquinha) e seu filho, Danny Torrance (Danny Loyd, atualmente um pacato professor de Ciências no Missouri), que possuem percepção extrassensorial e são assaltados por terríveis premonições. O antigo caseiro, que vivia num dos quartos do hotel - construído sobre um cemitério indígena! - matou toda a família e se suicidou, mas Jack parece não dar muita importância a esse fato. A família é apresentada a Dick Hallorann, chef do hotel, também sensitivo, e que percebe o dom de Danny, advertindo-o sobre os perigos do hotel, particularmente sobre o quarto 237.
O tempo passa, sobrevém uma forte nevasca, e a família fica completamente isolada. Jack, cada dia mais frustrado com seu projeto, passa a ser influenciado por forças ocultas que o influenciam a matar Wendy e Danny. Enquanto isso, Hallorann desconfia que algo não vai bem no hotel e volta para investigar. Mas as forças malignas já tomaram completamente a alma de Torrance, e as vidas de Wendy e Danny estão à mercê da sorte.
Apesar de ser um dos mais celebrados filmes da história do cinema moderno, O Iluminado não teve um set dos mais tranquilos. Obcecado pelo perfeccionismo - que se confunde, às vezes, com uma virtude -, Kubrick deu muita dor de cabeça a sua equipe: diálogos eram reescritos em cima da hora, sequências eram refeitas diferentes vezes e até a trilha musical original, que deveria ficar a cargo de Wendy Carlos e Rachel Elkind, foi descartada e substituída por temas de música erudita da predileção de Stanley, tal como ocorrera em 2001: Uma odisseia no espaço (2001: A Space Odyssey, EUA, 1968). Nada que interferisse na qualidade do filme, irretocável sob todos os aspectos. O Iluminado integra o rol dos filmes de horror elevados à categoria de arte, sem deixar de ser popular, como provam as diversas citações do longa em outras obras em cinemas, hq's etc, desde o seu lançamento. Poucas vezes houve um casamento tão feliz entre cultura pop e "alta cultura" no cinema. Infelizmente, a compreensão dessa união feliz ainda passa ao largo das ambições da maior parte daqueles que se dedicam à sétima arte. Precisamos de mais "iluminados" nesse mundo.
Confira o trailer do filme:
https://www.youtube.com/watch?v=3b726feAhdU
O Iluminado será exibido nessa sexta-feira, dia 30 de agosto de 2014, dentro da mostra Stephen King no Cinema, promovida pelo Cineclube 24 Quadros na Vila das Artes
Não à tôa: a estória é de fato apavorante. O escritor fracassado e alcoólatra Jack Torrrance (Jack Nicholson, sempre dando um show!), resolve assumir um emprego como zelador no gigantesco Overlook Hotel, no Colorado, durante as férias de inverno, levando sua esposa, Wendy (Shelley Duvall, fraquinha, fraquinha) e seu filho, Danny Torrance (Danny Loyd, atualmente um pacato professor de Ciências no Missouri), que possuem percepção extrassensorial e são assaltados por terríveis premonições. O antigo caseiro, que vivia num dos quartos do hotel - construído sobre um cemitério indígena! - matou toda a família e se suicidou, mas Jack parece não dar muita importância a esse fato. A família é apresentada a Dick Hallorann, chef do hotel, também sensitivo, e que percebe o dom de Danny, advertindo-o sobre os perigos do hotel, particularmente sobre o quarto 237.
O tempo passa, sobrevém uma forte nevasca, e a família fica completamente isolada. Jack, cada dia mais frustrado com seu projeto, passa a ser influenciado por forças ocultas que o influenciam a matar Wendy e Danny. Enquanto isso, Hallorann desconfia que algo não vai bem no hotel e volta para investigar. Mas as forças malignas já tomaram completamente a alma de Torrance, e as vidas de Wendy e Danny estão à mercê da sorte.
Apesar de ser um dos mais celebrados filmes da história do cinema moderno, O Iluminado não teve um set dos mais tranquilos. Obcecado pelo perfeccionismo - que se confunde, às vezes, com uma virtude -, Kubrick deu muita dor de cabeça a sua equipe: diálogos eram reescritos em cima da hora, sequências eram refeitas diferentes vezes e até a trilha musical original, que deveria ficar a cargo de Wendy Carlos e Rachel Elkind, foi descartada e substituída por temas de música erudita da predileção de Stanley, tal como ocorrera em 2001: Uma odisseia no espaço (2001: A Space Odyssey, EUA, 1968). Nada que interferisse na qualidade do filme, irretocável sob todos os aspectos. O Iluminado integra o rol dos filmes de horror elevados à categoria de arte, sem deixar de ser popular, como provam as diversas citações do longa em outras obras em cinemas, hq's etc, desde o seu lançamento. Poucas vezes houve um casamento tão feliz entre cultura pop e "alta cultura" no cinema. Infelizmente, a compreensão dessa união feliz ainda passa ao largo das ambições da maior parte daqueles que se dedicam à sétima arte. Precisamos de mais "iluminados" nesse mundo.
Confira o trailer do filme:
https://www.youtube.com/watch?v=3b726feAhdU
O Iluminado será exibido nessa sexta-feira, dia 30 de agosto de 2014, dentro da mostra Stephen King no Cinema, promovida pelo Cineclube 24 Quadros na Vila das Artes
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