A FÓRMULA: o filme pouco inspirado de Brando
Obra obscura da filmografia de Marlon Brando, o filme traz uma interessante trama envolvendo espionagem, crimes e a luta entre os interesses de um poderoso cartel transnacional contra o desejo de justiça de um investigador. A Fórmula será exibido nessa sexta-feira, fechando a mostra Eternamente Brando, em homenagem aos noventa anos de nascimento e dez de desaparecimento do ator e diretor estadunidense, que ocorre durante o mês de julho, na Vila das Artes
Marlon Brando em A Fórmula: Dinheiro é a moralidade do comércio invisível nas nações "civilizadas"
Por Gabriel Petter
A Fórmula (The
Formula, EUA/RFA, 1980) é um filme curioso por muitos aspectos. Trata-se,
antes de tudo, de um thriller mais pretensioso que a média do gênero. Tanto que
traz dois atores monstruosos, oscarizados e em plena maturidade: George C. Scott,
o homem que encanta em trabalhos como Doutor
Fantástico (1964) e Patton: Rebelde
ou Herói? (1970); e Marlon Brando, dessa vez completamente descaracterizado
como um provecto e inescrupuloso magnata do petróleo usando um aparelho para surdez.
A
deficiência não estava no roteiro original. A ideia foi de Brando. Não porque ele
intencionasse dar algum tempero “trágico” à vida do seu poderoso personagem,
mas porque o ator simplesmente estava com preguiça de decorar suas falas,
preferindo gravá-las num walkman escondido sob sua roupa, acionado por sua
barriga saliente e disfarçando os fones de ouvido com o aparelho auditivo. Isso
explica a fala pastosa e o relativo delay com que Brando, na pele de Adam
Steiffel, responde às falas dos seus interlocutores.
O efeito, longe de ser dramático, é
humorístico. Brando dota um personagem que, a priori, deveria ser detestável,
em alguém que seria uma interessante companhia de mesa de bar. E, reiterando, não porque
ele estivesse a fim de tornar o “poderoso chefão” em alguém mais “humano”, mas
porque estava levando aquele papel, literalmente, “na barriga”.
A década de 1980 seria o fundo do poço no qual cairia a carreira do astro hollywoodiano, que só estrelaria
(ou faria pontas) em produções que não chegariam perto dos papeis que ele tivera
em tempos anteriores. A culpa, em boa parte, era sua. Desde que tripudiou da
Academia de Ciências e Artes Cinematográficas de Hollywood, enviando uma atriz
disfarçada de índia para receber seu segundo Oscar (por O Poderoso Chefão) e improvisar um protesto pueril, as boas
oportunidades escassearam. Restava aceitar o que aparecesse para sustentar sua
ilha particular e tocar seu – dispendioso – padrão de vida.
Em compensação, podia-se esperar um ator mais
rebelde e sarcástico do que nunca. Seu nome ainda atraía público e Brando sabia
disso. Portanto, usava e abusava de quem ainda tinha coragem de ligar para seu agente
ou enviar-lhe roteiros. A Fórmula entra
nessa conta, com uma boa atuação, embora muitíssimo relaxada. O próprio Brando
classificou o filme como um “equívoco”. A bem da verdade, ele (indicado ao
Framboesa de Ouro de pior ator por esse trabalho) também deu sua contribuição
para tornar esse num trabalho menor na carreira de todos aqueles que dele
participaram.
Porque, não olvidemos, Brando não estava
solitário nesse filme meio obscuro da “década perdida”. George C. Scott, que
encarava qualquer papel com seriedade e profissionalismo, é uma espécie de
antípoda de Brando – e eles são antagonistas, de fato: na pele do tenente Barney
Caine, Scott, junto com Brando, compõe uma dupla exemplar da arte da atuação.
Nas (poucas) sequências em que os dois estão juntos, o clima é de puro
improviso, de jogo. Aliás, em inglês, o verbo to play (que pode ser traduzido como
jogar), dentre suas diversas acepções, designa o que se convencionou, no mundo
teatral, chamar de atuação, algo distinto da simples representação. Este é o
tipo de distinção difícil de se fazer na teoria, mas que pode ser exemplificado
à perfeição na prática, quando assistimos, por exemplo, às cenas da dupla. Isso
é algo muito bonito e didático, porém insuficiente para salvar um filme.
Não que A
Fórmula seja um filme ruim. Mas fica muito aquém do que seu excitante trailer
e o seu cast estrelar prometem. Baseado no romance homônimo de Steve Shagan, sua trama traz o conflito entre poderosos
interesses do cartel do petróleo, em confronto com o desejo de justiça de um
investigador. O filme começa nos últimos dias da Segunda Guerra Mundial, quando
os russos estão nas cercanias de Berlim. Um general alemão (Richard Lynch) é
enviado à fronteira suíça com arquivos secretos, com ordens de ocultá-los dos
aliados. Na Los Angeles atual, o investigador Barney Caine (George C. Scott) é
designado para resolver o assassinato do seu ex-chefe e amigo Tom Neeley, o
qual, presumivelmente, ocorreu durante uma desastrosa negociação de uma carga
de drogas. A investigação do caso o leva ao empresário do petróleo Adam Steiffel (Marlon Brando) e à então República Federal da Alemanha (ex-Alemanha ocidental), onde o investigador se vê envolvido num caso muito mais nebuloso, envolvendo uma fórmula capaz de converter carvão mineral em petróleo.
Apesar do plot interessante e do fato de este ter sido o primeiro filme a tratar da escassez do petróleo como matriz energética, o longa foi bastante criticado, recebendo até uma indicação ao Framboesa de Ouro de pior ator para Marlon Brando. Se ele mereceu ou não, é uma questão à parte. Ainda assim, é uma delícia assistir aos poucos minutos em que "o ator" aparece, sobretudo quando seu personagem explica a natureza dos seus negócios ao estarrecido e impotente investigador Caine, em seus termos cínicos e desiludidos: "Dinheiro, essa é a moralidade do comércio invisível nas nações civilizadas". Detalhe: muito provavelmente esta fala foi um improviso. Brando sabia mesmo jogar com o establishment. Era um astro vocacionado.
Confira o trailer do filme no link abaixo
http://www.youtube.com/watch?v=tlzktZVenA8
A Fórmula será exibido nessa sexta-feira, dia 26 de julho, na Vila das Artes, fechando a mostra Eternamente Brando
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