CIGARETTE BURNS: PARECE CONTO DE FADAS: O PIOR É QUE NÃO É
E o que isso tem a ver com cinema? Simples. O governo resolveu elaborar uma política de fomento ao mesmo com base em leis de incentivo fiscal ou na concorrência em editais públicos. Isto é o que se chama, em bom malandrês, "financiamento público da cultura", o que, pelo menos naquele fabuloso país, significava alimentar a vagabundagem de um séquito de "artistas" e "produtores culturais" incapazes de se virar sozinhos. Para piorar a história, este governo era meio stalinista e, como todos os governos desse matiz, ignorava absolutamente qualquer coisa em relação à arte e cultura e, o pior, decidiu "enquadrar" os futuros projetos contemplados. Tanto que, em certos certames públicos para a "seleção" de projetos, o proponente tinha que fazer algo com temática pré-definida e, preferencialmente, com "cunho social". Por exemplo: abria-se um edital idiota cujo tema era "Cultura popular" e lá ia o infeliz atrás de alguma exoticidade nos grotões, à lá antropólogo, para atender às demandas de quem - de porre, claro - elaborou as regras do edital - sempre um mistério naquele quinhão tropical. Mas não era só isso: em alguns casos, o proponente também deveria "prever" quantas pessoas seriam beneficiadas com seu projeto, dando-se preferência à comunidades de algum lugar perdido no tempo e no espaço. Nem é preciso dizer que não dava para confiar muito na qualidade de um longa ou curta cujo principal fito era assistir um grupo de pessoas e não fazer um trabalho digno de atrair o público às salas de cinema.
Claro, também haviam os grandões na parada. Estes não precisavam se embrenhar no mato em busca de populações negligenciadas pelo bondoso/maldoso Estado. Bastava entrar numa lei de incentivo e captar verbas diretamente para as suas custosas produções. Nesse caso, o pessoal tinha as costas tão largas que até produções comerciais recebiam farto "dinheiro de todos" (não era "país de todos?" Deixa pra lá!), mesmo aquelas propostas por produtoras vinculadas a um poderoso grupo de comunicação, cujo anúncio na faixa do horário nobre se situava na casa dos milhões. A maioria dos filmes que essa turma lançava era um retumbante fracasso, salvando-se uma ou outra coisa mais apelativa, levando à bancarrota os recursos públicos destinados ao tal financiamento cultural. Sim, eles figuravam em vários festivais, alguns até de prestígio, mas, em termos de contrapartida financeira, necas! Em geral, a culpa pelo fracasso desses maravilhosos artistas era jogada no "Imperialismo cultural" e, nessa onda, generalizou-se a falsa associação entre cinema profissional e cinema ruim. Preferiu-se outra via - esquecí de dizer que reinventar a roda era um hábito cultural naquelas plagas -, mais chique e favorável ao falso cosmopolitismo da elite local: fazer filmes de prestígio (trés bien!), daqueles que espantam público aos magotes, mas conseguem arrebatar alguns prêmios em festivais de segunda e arrancar uns elogios, críticas e até render trabalhos acadêmicos de quem entende tanto de cinema quanto das regras de normatização de monografias, dissertações e teses. Obviamente, tudo com a ignorante conivência de parte do público, que prefere discutir Antropologia ou qualquer outra coisa ao invés do filme. O que se chamava de formação, em termos de cinema, naquele recanto do faz-de-conta, amiúde se resumia a um falatório eivado de achismo, teoria sem prática - quase nenhum dos nobres formadores possuía experiência em set de filmagem - e divulgação de gostos pessoais, além, claro, do discurso anti-mercado na ponta da língua. Sim, porque, artista que era artista, por lá, não se enxergava como um profissional, em geral associado ao trabalho duro. Havia um grande preconceito em relação aos trabalhadores de verdade ou o reverso dessa moeda, uma bondade paternalista, já que estes eram vistos como pessoas ignorantes e "alienadas", servindo, no máximo, como tema de mais um daqueles documentários falso-antropológicos.
Não é de se estranhar que, em tal lugar, o talento fosse preterido em função dos laços de amizade e que explodissem "coletivos", associações etc, cuja finalidade básica era pressionar o governo por mais dinheiro, sob o (falso) pretexto de incentivo à "cultura nacional", esse atestado de provincianismo e anacronismo histórico - incrível como lá ainda se tomava como preocupação uma temática do século XIX - que foi incorporado como lema pela nossa elite cultural. Sim, pois, num sistema como esse, a formação de grupinhos era inevitável e fazer parte de algum deles poderia ser determinante para o acesso tanto aos postos de alguma importância no âmbito da cultura oficial como para obter verbas públicas.
Moral da história: infelizmente, isto não é um conto de fadas ou uma fábula para ninar crianças. É, sim, a história do cinema no nosso país, especialmente nos últimos anos, e que, pelo andar da carruagem, ainda se arrastará por muitas gerações. O pior é que é verdade, tape-se o sol com a peneira ou não.
Claro, também haviam os grandões na parada. Estes não precisavam se embrenhar no mato em busca de populações negligenciadas pelo bondoso/maldoso Estado. Bastava entrar numa lei de incentivo e captar verbas diretamente para as suas custosas produções. Nesse caso, o pessoal tinha as costas tão largas que até produções comerciais recebiam farto "dinheiro de todos" (não era "país de todos?" Deixa pra lá!), mesmo aquelas propostas por produtoras vinculadas a um poderoso grupo de comunicação, cujo anúncio na faixa do horário nobre se situava na casa dos milhões. A maioria dos filmes que essa turma lançava era um retumbante fracasso, salvando-se uma ou outra coisa mais apelativa, levando à bancarrota os recursos públicos destinados ao tal financiamento cultural. Sim, eles figuravam em vários festivais, alguns até de prestígio, mas, em termos de contrapartida financeira, necas! Em geral, a culpa pelo fracasso desses maravilhosos artistas era jogada no "Imperialismo cultural" e, nessa onda, generalizou-se a falsa associação entre cinema profissional e cinema ruim. Preferiu-se outra via - esquecí de dizer que reinventar a roda era um hábito cultural naquelas plagas -, mais chique e favorável ao falso cosmopolitismo da elite local: fazer filmes de prestígio (trés bien!), daqueles que espantam público aos magotes, mas conseguem arrebatar alguns prêmios em festivais de segunda e arrancar uns elogios, críticas e até render trabalhos acadêmicos de quem entende tanto de cinema quanto das regras de normatização de monografias, dissertações e teses. Obviamente, tudo com a ignorante conivência de parte do público, que prefere discutir Antropologia ou qualquer outra coisa ao invés do filme. O que se chamava de formação, em termos de cinema, naquele recanto do faz-de-conta, amiúde se resumia a um falatório eivado de achismo, teoria sem prática - quase nenhum dos nobres formadores possuía experiência em set de filmagem - e divulgação de gostos pessoais, além, claro, do discurso anti-mercado na ponta da língua. Sim, porque, artista que era artista, por lá, não se enxergava como um profissional, em geral associado ao trabalho duro. Havia um grande preconceito em relação aos trabalhadores de verdade ou o reverso dessa moeda, uma bondade paternalista, já que estes eram vistos como pessoas ignorantes e "alienadas", servindo, no máximo, como tema de mais um daqueles documentários falso-antropológicos.
Não é de se estranhar que, em tal lugar, o talento fosse preterido em função dos laços de amizade e que explodissem "coletivos", associações etc, cuja finalidade básica era pressionar o governo por mais dinheiro, sob o (falso) pretexto de incentivo à "cultura nacional", esse atestado de provincianismo e anacronismo histórico - incrível como lá ainda se tomava como preocupação uma temática do século XIX - que foi incorporado como lema pela nossa elite cultural. Sim, pois, num sistema como esse, a formação de grupinhos era inevitável e fazer parte de algum deles poderia ser determinante para o acesso tanto aos postos de alguma importância no âmbito da cultura oficial como para obter verbas públicas.
Moral da história: infelizmente, isto não é um conto de fadas ou uma fábula para ninar crianças. É, sim, a história do cinema no nosso país, especialmente nos últimos anos, e que, pelo andar da carruagem, ainda se arrastará por muitas gerações. O pior é que é verdade, tape-se o sol com a peneira ou não.
Gabriel Petter
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirPetter,
ResponderExcluirQuando lia o texto, já pensava em ironizar perguntando "Que País é esse?"; você não deixou, revelando o seu nome;
Não conheço os meandro de tal sistema - refiro às instituições, entidades, burocracias, etc... que cuidam(ou deveriam) cuidar da cultura no nosso País - mais acredito que você tocou numa das feridas desse sistema.
É isso aí...
Pois é, Paulo, o pior é que não é exagero.
ExcluirJá me disseram que esta é a realidade em todos os campos culturais em nosso país. Deve haver algo de (muito) podre no reino da Dinamarca, não?
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