Cinema do mundo: entrevista com Banker White
Um dos destaques do último Festival de Tribeca, The Genius of Marian, do norte-americano Banker White, confronta nossos conceitos acerca de doença, velhice e amor. No longa, que deve aportar no Brasil nos próximos meses, Banker nos mostra a lenta degenerescência de sua mãe, Pam White, portadora do Mal de Alzheimer, Marian, avô do diretor e artista renomada, cuja memória Pam pretendia perpetuar em livro, até que sua própria memória lhe traísse e minasse seus planos
The Genius of Marian: uma história de amor e coragem
O Mal de Alzheimer (também chamada Doença
de Alzheimer) é uma doença neurodegenerativa que atinge cerca de 25 milhões de
pessoas em todo o mundo. Segundo dados oficiais, há pelo menos um milhão
de portadores da doença no Brasil, onde a mesma é a principal causa
de demência - em medicina, esse termo significa declínio adquirido,
persistente, em múltiplos domínios das funções cognitivas e não
cognitivas.
Embora importantes, essas
informações não dimensionam o Mal de Alzheimer como um todo. Tal
problema, que acomete milhões de pessoas ao redor do mundo todos os anos, só
revela seu significado pleno na vida daqueles que sofrem com a mesma ou assistem
à lenta degradação física e mental de amigos ou parentes portadores da
moléstia. A tragédia do Alzheimer, bem como o complexo de sentimentos que ele
pode despertar numa família, é o tema de The
Genius of Marian, longa-metragem
dirigido pelo norte-americano Banker White que apresenta a história de Pam
White, mãe do diretor, que, pouco depois de iniciar um projeto em homenagem à
sua mãe, a pintora Marian Williams Steele (1912-2001), o qual intitula o filme,
é diagnosticada com Alzheimer, a mesma doença que matara Marian. O drama pessal
de Pam, que, pouco a pouco, tem que abandonar não apenas o projeto, mas sua
própria independência, é potencializado pelo registro documental que não se
centra apenas na tragédia mais óbvia, mas na gama de sentimentos movidos quando
da incidência de um caso como este numa família, quase uma prova de fogo da sua
própria sobrevivência. Banker White atendeu gentilmente ao nosso
pedido de entrevista e a seguir o leitor poderá conhecer um pouco mais
sobre esta obra inspirada no amor e no afeto entre mãe e filho.
24 Quadros: Sua mãe estava escrevendo
um livro sobre a sua avó, Marian Williams Steele (1912-2001) quando foi
diagnosticada com o Mal de Alzheimer. O tema principal do seu documentário é
este projeto inacabado, a relação entre a sua mãe e a sua avó, a sua própria
relação com sua mãe ou algo mais? Gostaria que você falasse um pouco sobre sua
inspiração para fazer este documentário e o seu processo de produção
Banker White: Originalmente eu não
tinha a intenção de fazer um documentário sobre a doença da minha mãe. O
projeto começou como uma série de conversas informais gravadas com ela no
início de 2009. Como você disse, minha mãe tinha começado a escrever um
livro em homenagem a sua mãe (e minha avó), Marian Williams
Steele. O título da obra era O Gênio de Marian. Marian
(que todos nós chamávamos Mana) foi uma querida e conhecida pintora e
uma avó incrível - amorosa, divertida e mágica. Em 2001, Marian morreu, aos 89
anos, em decorrência do Mal de Alzheimer. Logo depois que minha mãe
começou a escrever o livro, ela começou a lutar com a digitação e outras
tarefas mentais. Para ajudá-la a continuar o projeto, comecei a filmar nossas
conversas. Eu tinha uma relação muito estreita com Marian e
estava muito envolvido com o projeto do livro. Nos três anos seguintes,
gravei tanto os grandes eventos, assim como os pequenos detalhes da
realidade em mudança na minha família. Filmei meus pais contando histórias de
como eles se conheceram e se apaixonaram; capturei o prazer de minha mãe no
nascimento de seus netos. Mas eu também documentei a lenta erosão da capacidade
de minha mãe para se vestir e se alimentar, sua independência minguante e sua
feroz resistência a aceitar a ajuda de cuidadores profissionais. Agradeço
aos meus irmãos e ao meu pai por terem a coragem de compartilhar [tudo
isso] tão abertamente. Fiquei especialmente comovido com meu
pai, que mostrou tremenda compaixão e lealdade quando teve de mudar sua função
de parceiro para enfermeiro.
Agora, três anos depois, estamos na
pós-produção do filme. O processo de The
Genius of Marian tem sido um
poderoso e importante para todos nós, e eu sou grato que em breve seremos
capazes de compartilhar seu resultado com os outros.
24 Quadros: Como foi para você, como filho
e, ao mesmo tempo, realizador, fazer este filme? Isto é, como foi pra você
confrontar a doença da sua mãe e expôr isto (incluindo sua própria vida
privada) ao público?
B.W: Aproximei-me deste filme ao mesmo
tempo como um filho amoroso, um artista colaborador e um observador
paciente. O filme é sobre o Mal de Alzheimer e sobre os esforços da
minha família para chegar a um acordo com todas as dramáticas mudanças
[advindas da doença], mas é também uma meditação sobre o sentido da família, o
poder da arte e da criatividade e sobre os belos e dolorosos modos
com os quais todos nós temos de lidar em relação à doença e
à perda.
A filmagem era geralmente longa. Este
projeto é a continuação de um grande esforço colaborativo. Filmar foi
passar o tempo com minha mãe envolvido numa atividade criativa e num
projeto sobre o amor entre mãe e filho. As filmagens também nos ajudaram
a nos comunicarmos como uma família. O documentário me ajudou no
diálogo com meus irmãos e com meu pai em relação ao que estava
acontecendo. Algo como a formalidade de uma entrevista e colocar uma câmera
entre nós realmente nos ajudou a começar a falar sobre as coisas que eram
difíceis de falar.
O processo de edição foi
diferente. Foi também um espaço de cura para mim. Mas a distância (literalmente
geográfica, já que eu editei na Califórnia e meus pais vivem em
Boston) e a perspectiva de ver a minha vida como material gravado, tornou essa
fase muito mais emocionante. Coloquei isso em perspectiva e lutei com
alguns dos aspectos mais difíceis de fazer um filme pessoal - querendo criar um
filme que fosse honesto sobre o que uma doença brutal como
o Alzheimer é, mas, ao mesmo tempo, mostrando minha mãe com
dignidade e o quão maravilhosa, inteligente e amável ela pode ser.
Cresci sentindo como minha mãe podia fazer
tudo e, muitas vezes, ela fez. Ela trabalhou em tempo integral enquanto criava
meus irmãos e eu, manteve amizades profundas e dedicou-se a ajudar os outros,
tanto em sua vida pessoal como em sua carreira como terapeuta. Ela adorava ser
mãe e encorajou-nos a sermos nós mesmos, sempre enfatizando o quanto era
importante falar sobre nossos sentimentos, especialmente nos
momentos difíceis. É por isso que foi especialmente doloroso vê-la
congelada pela vergonha de seu diagnóstico, incapaz de falar abertamente sobre
o que ela estava passando. E apesar de sermos uma família amorosa, disposta e
disponível, também lutamos para compartilhar nossos pensamentos e sentimentos
com as outras pessoas.
Antes que ela estivesse pronta para falar
abertamente sobre o seu diagnóstico, conseguimos dialogar lembrando Marian,
alguém que tínhamos amado e perdido para a doença que agora estava
afetando a minha mãe. Essas conversas íntimas tornaram-se uma espécie de espaço
de terapia e minha mãe começou a compartilhar as emoções complexas relacionadas
com o que ela estava passando. Ao mesmo tempo, filmar com os outros
membros da minha família nos apresentou um caminho para que cada
um de nós celebrasse a vida da minha mãe enquanto processava sentimentos
difíceis em relação às mudanças verificadas nela.
24 Quadros: Nos últimos anos documentários
com temas intimistas tornaram-se mais comuns. Você acha que os dramas
pessoais têm maior força entre o público?
B.W: Dramas pessoais tocam as emoções e,
afinal, isso é o que eu acho tão especial em relação à experiência
cinematográfica. Nós vivemos essa história e trazemos nossas próprias
experiências. É daí que vem a emoção: das nossas próprias experiências. A
relação com a própria família, assim como nossa própria experiência é
o que levamos ao cinema. Pensei muito sobre isso na forma como editamos e
ritmamos o filme, certificando-se que havia espaço para processar isto. Temos
vários momentos no filme de equilíbrio emocional entre
as entrevistas e cenas de observação, onde apresentamos um espaço
muito mais estático para a reflexão.
24 Quadros: Por fim, gostaria de saber o
que significou para você fazer este documentário e qual é o atual estado de
saúde da sua mãe. Como seus parentes estão lidando com sua doença?
B.W: Percebí que este é um projeto de uma
vida inteira. Sou um "filhinho da mamãe" (vocês garotos usam esta
expressão no Brasil?). Amo minha mãe e minha avó, então, fazer um filme que é
um tributo à ambas e à importância da família e da arte... é um sonho. Comecei
esse projeto por razões pessoais e por perceber que a história e a maneira
como a contamos afeta outras pessoas que passaram por isso. Isto é maravilhoso.
Afinal, esse era o trabalho da minha mãe - ajudar outras pessoas em momentos
difíceis.
Ela está bem agora. Ela parece pairar
acima das preocupações sobre o que está acontecendo a si própria. Talvez essa
seja uma das bêncãos da doença: ela não é como qualquer pessoa consciente de
que algo está errado, de que está doente. Ela não depende de muita ajuda e,
afinal, esta é a parte mais difícil do Alzheimer - o quanto ele requer em
termos de cuidado. Ainda assim, ela precisa de ajuda em quase todas
as etapas do seu dia: para se acordar, se vestir, comer etc.
É incrível o que ela ainda pode fazer, se
você olhar para além dessas coisas. Ela ainda tem um sorriso incrível, adora
estar entre nós, com seus netos - esta é uma das lições que eu aprendi e que
espero compartilhar com o filme: você ainda pode ter um relacionamento
amoroso com alguém que tem Alzheimer, mesmo nos últimos estágios, desde
que você deseje estar presente e permita que as coisas se movam num
ritmo e numa direção diferentes do que costumavam ser.
Entrevista
conduzida e traduzida por Gabriel Petter
Petter,
ResponderExcluirAvalio que esse filme tratará de um tema muito e instigante, que é toda problemática do "Mal de Alzheimer" e o quanto essa doença afeta o próprio doente e os seus familiares; existe situação que a família não aguenta tanto sofrimento e se degrada psicologicamente. É realmente uma barra pesada.
No caso do entrevistado, pelo depreendi da entrevista, sua mãe terá toda a atenção dele e dos demais familiares, o que é ótimo.
Ao ler sua entrevista, lembrei-me do filme "Parente é Serpente" que vai abordar um tema correlato a esse, só que o outro lado da situação, que é os filhos negando apoio aos pais na sua senectude.
Ainda com relação a este filme "P é S", estou solicitando ao Pedro - que vai exibí-lo no próximo dia 22/08, no SESC - uma cópia que reproduzirei para nós.
Valeu...