Entrevista: a cultura trash segundo Siobhan Lyons

A Australiana Siobhan Lyons é responsável pelo trashculturejournal.wordpress.com, site acadêmico dedicado exclusivamente à cultura trash. Doutoranda em Mídia e Estudos Culturais pela Macquerie University - uma das melhores instituições de ensino do gigante da Oceania - Siobhan se mostra interessada em questões associadas às investigações à respeito da cultura trash ,tal como a hierarquia do consumo, a razão de alguns produtos serem mais valorizados que outros e a cultura da celebridade. Nessa entrevista, Siobhan oferece elementos interessantes para a compreensão da cultura trash, cada vez mais relevante em nível acadêmico


A australiana Siobhan Lyons

24 Quadros: Você poderia se apresentar aos nossos leitores? Quando e porquê você se interessou pela cultura trash?

Siobhan: Sou pós-graduanda na universidade Macquerie (Austrália), e estou concluindo minha tese de doutorado em Mídia e Estudos Culturais, abordando a autoria da celebridade. Desde o início da minha pesquisa, me interessei pela dialética da cultura trash, pela hierarquia do consumismo e pela razão de certos artefatos culturais serem menos favorecidos do que outros. Também é interessante ver como o trash se transformou ao longo do tempo. O que significa que o trash, propriamente, enquanto um termo, não é algo puramente subjetivo, mas tem uma aparência ou estrutura inerentes. 

24 Quadros: O conceito de cultura trash ainda não é bem compreendido pelas pessoas em geral. Você poderia esclarecê-lo para os leitores? 

Siobhan: Basicamente, cultura trash se refere àqueles objetos sociais - em áreas como música, cinema, televisão e literatura, por exemplo - que são vistos como vulgares ou indignos de atenção crítica e análise. Há diferentes tipos de trash e é difícil discutir isto objetivamente. Mas reality shows, revistas de fofoca e a cultura da celebridade têm sido continuamente vistas como trash. Entretanto, em gerações anteriores, histórias em quadrinhos, graphic novels, ficção criminal pesada e até os Beatles foram ridicularizados e tratados como trash em determinado estágio. Isto mostra que a dialética em torno da cultura trash não é facilmente definida e se encontra num estado de fluxo. Mas, em termos gerais, o termo explica o que é percebido como pouco inteligente, barato e de mau gosto e o que é geralmente fruido sem a necessidade de compromisso intelectual. Porém, algumas formas de trash são úteis, pela forma como os consumidores as identificam e se comprometem esteticamente com as mesmas. 

24 Quadros: No terreno do cinema, o termo trash designa um tipo de filme caracterizado pelo custo baixo, pela precariedade técnica e outras deficiências que o torna num produto de puro entretenimento. Por outro lado, frequentemente os filmes trash nos levam a pensar sobre questões como a possibilidade de um novo olhar estético entre outras "questões sérias" que tornam esta cinematografia muito interessante, mesmo em nível acadêmico. O que você pensa a respeito?

Siobhan:  No cinema, a noção de trash é das mais vulneráveis. Filmes como A bruxa de Blair e Saw, por exemplo, foram feitos com pequeno orçamento, mas geraram milhões em bilheteria. Eles são vistos como coisas desprezíveis, embora ainda sejam estudados de um ponto de vista acadêmico, incutindo-lhes algum tipo de valor estético. Entretanto, muitos grandes filmes de vanguarda foram realizados também com orçamento incrivelmente baixo e não geraram qualquer lucro. Isto sugere que os filmes trash são frequentemente associados ao benefício financeiro. Mas, como em todos os campos artístico-culturais, há níveis de trash e, como resultado, níveis de utilidade. Filmes como Mulher Gato, Batman e Robin e Sucker Punk parecem não ter outra função que gerar dinheiro, e, nesse aspecto, a sua utilidade se reduz a quase nada, porque eles oferecem pouco ao espectador, no sentido do humor ou qualquer outro tipo de gratificação. Mas há vários filmes, vistos como porcaria, que são úteis para desafiar a noção mais elitista de narrativa ou mesmo a noção de condição humana, proporcionando algo de útil ao espectador, como fruição passiva ou humor cru, por exemplo. O fato de que eles possam não ter o tipo de substância  encontrada em filmes de nível superior não invalida seu potencial para lançar luzes sobre questões filosóficas. Existe a noção errônea de que, para que um filme seja "bom", seja lá o que isso implique, deve provocar consideração intelectual e engajamento. Isto nem sempre é o caso. Trash, no cinema, em particular, é útil no afrouxamento das restrições da pesquisa intelectual, a ponto de privilegiar a fruição passiva e o entretenimento livres da necessidade de análise. A passividade é vista como particularmente mordaz, mas ela é crucial para os seres humanos liberarem as suas mentes agora e depois. Weekend at Bernies,  The Rocky Horror Picture Show, Bruno, Marte Ataca e muitos outros filmes provocam diferentes tipos de respostas que são, talvez, percebidas como impraticáveis - segundo certos padrões - mas a indústria do cinema não pode ser feita só daqueles filmes que desafiam apenas alguns aspectos do nosso intelecto. A diversidade no filme deve, portanto, incluir o trash como um elemento fundamental da condição humana, uma vez que grande parte do que nos torna humanos é construído sobre as formas de prazer que não estão diretamente ligados ao intelectualismo elitista. A noção errônea de que algo só é bom se é difícil é no que muito do elitismo cultural se baseia. Isso não quer dizer que devemos dispensar a qualidade ou os filmes instigantes, mas que devemos permitir que o público consuma lixo consumindo filosofia ao mesmo tempo, para desfazer as fronteiras culturais e mostrar que essas dimensões não são mutuamente exclusivas.

24 Quadros: O que é o Trash Culture Journal? Qual é o principal objetivo desse blog?

Siobhan: Trash Culture Journal é, ironicamente, uma publicação acadêmica, revisada por especialistas, que tem como objetivo lançar luzes sobre os valores sociais e  a dialética da cultura trash. Ao abordar estas questões através de uma revista acadêmica, espero mostrar, através de nossos colaboradores, que o trash pode ser discutido numa atmosfera acadêmica. Desde que a academia e o trash raramente são discutidos juntos, esta é uma plataforma útil para a iluminar elementos da cultura trash anteriormente negligenciados como desinteressantes ou pouco inteligentes, segundo determinados padrões.

24 Quadros:  Você gosta de filmes trash? O que é mais interessante na cultura trash (em geral) na sua opinião?

Siobhan: Eu tenho um gosto eclético em termos de filmes e gêneros, que compreende filmes de diretores como Orson Welles, Francis Ford Copolla, Jean-Luc Goddard e Win Wenders, assim como Quentin Tarantino, Chris Nolan e George Lucas. Eu não poderia dedicar minha experiência cinematográfica apenas ao cinema de elite - deve haver espaço para o trash. Eu gosto de filmes trash porque eles são uma forma de escapismo. Geralmente, filmes trash permitem formas mais cruas de humor, que eu aprecio. Adoro comédias inteligentes, o trabalho do Monty Python, por exemplo. Isto acaba se tornando necessário para aliviar o nosso intelecto e suspender a análise crítica, a fim de dar espaço ao simples prazer da assistência passiva, o que não pode ser desencorajado ou censurado, contanto que isso não se torne um comportamento consumidor massivo. 

Entrevista conduzida e traduzida por Gabriel Petter 

Comentários

  1. Petter,
    Muito boa sua entrevista; sua perguntas foram bastantes oportunas - com relação à nossa amostra - e as respostas da entrevista foram abalizadas, claro.
    O que podemos depreender é que da "Cultura Trash" tem muito que se estudar para entender a sua mensagem, sem falar no alto grau de subjetividade, quando de valoração.
    Valeu...

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