Náusea total: irresistível porcaria trash

Qualquer aspirante a diretor de cinema, sobretudo o mais inexperiente e imaturo, acalenta o desejo de ser reconhecido e, naturalmente, quer chegar ao mundo da sétima arte com tudo, deixando a crítica especializada de quatro e tornando o público apaixonado e fiel. 

A bem da verdade, quase nunca as coisas acontecem dessa forma. Mesmo cineastas de renome, como Stanley Kubrick (1928-1999), em seu début no mundo da sétima arte, sofreram para ganhar alguma atenção tanto da crítica quanto do público, o que, antes de se tornar numa inútil fonte de sofrimento, os estimularam a fazer trabalhos mais sofisticados, os quais, pouco a pouco, em maior ou menor medida, tornaram-lhes nomes dignos de figurar na história do cinema. Claro, nesse contexto, havia a intenção de se realizar uma obra digno de nota. Agora, o que dizer de alguém que, enquanto principiante, já começa com o pé enfiado no lado "B" do cinema - e com todo orgulho? Louco? Idiota? Não: gênio, como poucos, já que esta é uma espécie cada dia mais rara.


Peter Jackson: estilizador do trash

Se Ed Wood (1924-1978) foi um gênio às avessas - ao que tudo indica o Mr. trash movies não tinha a menor consciência de que faria escola entre as próximas gerações e jamais aspirou a ser reconhecido como um grande diretor de filmes ruins - Peter Jackson, o agora consagrado realizador neo-zelandês que assina produções milionárias como O Senhor dos Anéis (The Lord of Rings, EUA/NZL, 2001) é um artista auto-consciente do seu enorme talento e que, desde os primórdios da sua carreira, não tem medo de se arriscar. Que o diga seu longa-metragem de estréia, Náusea Total (Bad Taste, NZL, 1983), que inaugurou sua profícua fase trash, a qual ainda conta com os maravilhosos Meet the Feebles (Meet the feebles, NZL, 1989) e Fome Animal (Braindead, NZL, 1992).

Com apenas U$$ 26 mil de "orçamento", uma câmera de 16 mm sem entrada para microfone, elenco encabeçado pelo próprio Jackson e reforçado por alguns amigos, roteiro improvisado, fantasias risíveis e um enredo absurdo, Peter conseguiu legar à humanidade um dos melhores produtos da cinematografia trash, ao qual todo amante da sétima arte fará questão de assistir. Não se trata aqui de um filme acidentalmente ruim (caso de Plano 9 do Espaço Sideral, por exemplo) ou uma tentativa infame de tornar um filme ruim num bom filme ruim - caso de O Ataque dos Tomates Assassinos: aqui temos uma verdadeira estilização do (sub) gênero, que evidencia a genialidade de Peter Jackson e sua incrível versatilidade para abordar todo tipo de estória - basta lembrar que, poucos anos depois de Fome Animal, outro clássico da podrice cinematográfica, o neo-zelandês dirigiu o prestigiado Almas gêmeas (Heavenly Creatures, NZL, 1994), que apresentou Kate Winslet ao mundo e foi indicado ao Oscar na categoria Melhor Roteiro Original. 


Peter e seus alienígenas de Bad Taste: clássico da podrice 

A trama do longa - que seria, originalmente, um curta - gira em torno de um massacre cometido contra os habitantes de uma cidadezinha por parte de alienígenas. O que tinha tudo para prender a respiração do expectador durante todo o desenrolar da estória é logo posto abaixo pela avacalhação explícita na motivação principal dos invasores: levar carne humana para o restaurante intergalático Deliciosas Mordidas, a fim de reconduzir o estabelecimento ao topo da sua categoria, já que, momentaneamente, o Frituras Lunáticas, seu principal concorrente, ocupa este lugar. É então que a A.I.D.S (sic) (Alien Investigation and Defense Service), equipe composta pelos bravos Robert (Peter Jackson), Ozzy (Terry Potter) e Frank (Mike Minett), é convocada para resolver o imbróglio com os monstros espaciais. 
 
A partir de então, não espere muita coisa além de risadaria e sangue fartos. Se há uma regra tácita e útil na apreciação de um bom filme ruim é: esqueça o ego e o espírito crítico e embarque na estória. Entretanto, mesmo filmes como este são reveladores do talento e da criatividade de um realizador, tanto que Náusea Total chegou a ganhar vários prêmios no Festival de Cannes (!), onde teve sua primeira exibição oficial. E isto serve de lição para aqueles realizadores tolos e prepotentes que acham que seus filmes fracassam porque são bons demais para o público: quem é bom mesmo conquista reconhecimento e prestígio de qualquer forma, nem que seja entrando pela porta dos fundos. 

Gabriel Petter

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