A fantasia e a realidade de duas cinematografias

O QUE PODEMOS APRENDER COM O CINEMA INDEPENDENTE AMERICANO
  
 
A lista de indicações ao Oscar de 2013 traz boas surpresas, dentre as quais um filme de pequeno orçamento (U$$ 1,8 milhões, modestíssimo para os padrões americanos), financiado por uma ONG, contando com um elenco composto majoritariamente por não-atores e conduzido por um diretor "estreante". O longa Indomável Sonhadora arrebatou prêmios em Sundance, Cannes e é um forte concorrente ao mais cobiçado prêmio do cinema internacional, disputando com megaproduções como "Lincoln", do oscarizado Steven Spilberg, e o sensível "Amor", de Michael Haneke.

O que isso tem a ver com o Brasil, afinal, fora da disputa pela estatueta dourada? Há algumas semanas a imprensa vem alimentando uma discussão polêmica acerca do longa "O som ao redor", que tem uma trajetória similar - em alguns aspectos - ao do celebrado filme americano: baixo orçamento (R$ 1,8 milhões, cerca de U$$ 900 mil), elenco composto em grande parte por não-atores, prestígio internacional (arrebatou prêmios em festivais europeus e deve ter uma cópia adquirida pelo MoMa), além de ser um longa de "estreante". Mas as semelhanças param aí: a frequência ao filme foi muito baixa (até agora 80 mil pessoas) e a celeuma provocada pelo mesmo é alimentada pela contenda envolvendo o cineasta Kleber Mendonça Filho e a poderosa Globo Filmes, na figura de "Cadu" Gomes, seu diretor. Segundo o realizador, até mesmo o vídeo de um churrasco familiar, caso fosse lançado pela Globo Filmes, atrairia um grande público aos cinemas.


 
O som ao redor (direção: Kleber Mendonça Filho)
 
 
A despeito da suposição (evidentemente exagerada) da estupidez do público contida na provocação de Kleber Mendonça, há de fato pouca visão por parte dos executivos da gigante nacional da comunicação em relação a importância da produção independente. Enquanto nos Estados Unidos existe um grande respeito (e investimento direto) sobre esse tipo de produção, fartamente premiada em grandes festivais internacionais e reveladora de cineastas talentosos (vide o caso de Steven Sodenbergh, que arrebatou, com seu Sex Lies and Videotapes a Palma de Ouro no Festival de Cannes de 1989), no Brasil há um verdadeiro temor com relação a filmes que não tenham enredo de telenovela e atores globais em seu elenco. Isso pode ser explicado pelo caráter monopolístico do mercado audiovisual brasileiro e pelas distorções das políticas públicas culturais em nosso país, que despejam recursos milionários para poucos apaniguados e migalhas para quem não tem condições de captar recursos por outras vias.
 
Por outro lado, os realizadores brasileiros devem abandonar a postura "marginal" e aprender a dialogar com a maioria. Não adianta alegar que determinados filmes atraem o público apenas pela falta de discernimento do mesmo. O longa independente indicado ao Oscar é um drama eficiente e acessível a maioria das pessoas, e não uma ficção cerebralizada e confusa. Uma das acusações que O som ao redor recebeu, por exemplo, foi a de ser um filme longo (leia-se chato) e com atuações apáticas. Se o diretor brasileiro, ao contrário do seu colega americano, não soube extrair mais dos seus atores (ou não-atores) e se o enredo do filme é secundado pela polêmica entre Kleber Mendonça Filho e a Globo Filmes, não estamos falando exatamente de um filme injustiçado, mas que, simplesmente, não despertou o interesse do público - lembremos que o filme "Bezerra de Menezes", classificado como "tosco" pela revista Veja, com orçamento muito baixo e pequena distribuição, levou cerca de meio milhão de pessoas ao cinema. Cinema independente não significa filmes para públicos iniciados.
 
Kleber Mendonça Filho e "Cadu" Gomes poderiam aprender muito com o filme Indomável Sonhadora, que concorre ao Oscar de 2013 (cuja cerimônia, por sinal, será transmitida "com exclusividade" pela Rede Globo) e aponta ótimas perspectivas para realizadores independentes nos E.U.A. e para o próprio mercado cinematográfico norte-americano. Cerrar posições só diminui a perspectiva de ampliar os horizontes do mercado audiovisual brasileiro e, em decorrência, de aumentar sua visibilidade nos grandes festivais internacionais. Não é `a tôa que os dois últimos filmes brasileiros escolhidos para disputar o Oscar de melhor filme estrangeiro (Tropa de Elite II  e O Palhaço, ambos contando com investimento, direto ou indireto, da Globo Filmes) nem chegaram a disputar o mais relevante prêmio da indústria cinematográfica estaduniense. 

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