Cigarette burns: coisa velha




Paulo linhares está de volta. Coisa velha. Espólio do governo Jereissati. Veio para gerir o chamado Porto Iracema das Artes. Coisa velha. O antigo Instituto Dragão do Mar, com outro nome. A mesma proposta: formação para o mercado audiovisual local inexistente. Coisa velha. O mesmo discurso "modernizante", a despeito das estruturas viciadas, da ligação umbilical entre cultura e Estado - coisa mais do que velha por aqui. E o novo filme de Rosemberg Cariri, eterno beneficiário de verbas públicas para suas obras-caviar (nunca ví, nem ouvi, só ouço falar), será lançado no Cine Ceará. Depois, cairá no esquecimento, bem como o prejuízo que sua "obra" causa ao erário público. Nem é preciso dizer que esta é outra coisa velha. Tão velha quanto a politicagem que procura associar velhas personagens com falsas novidades. Tão velha quanto a ilusão de que isso dará em alguma coisa. 

Há muito tempo o Ceará anda como caranguejo. A bem da verdade, desde sempre. Ainda mal conseguimos engatinhar longe do cabresto de oligarquias que se reproduzem em todos os campos, o cultural inclusive. Não é preciso ser muito inteligente para perceber que, ao que parece, temos apenas um punhado de artistas que ganham sucessivos editais - esta praga incorporada à produção cultural - e/ou são frequentemente convidados a se apresentarem em festejos oficiais. Coisa velha, como a literatura pífia de José de Alencar - este, ao menos, literalmente, era inimigo do rei - e Rachel de Queiróz, ainda hoje vendidos como "grandes nomes das letras cearense" às novas gerações. Tudo isso em nome da "valorização da cultura local". Coisa velha, do tempo da iluminação pública com lampião a gás. Somos um lugar tão, mas tão provinciano, que nem sequer sabemos nos internacionalizar. O que "há" por aqui, de mais novo, em termos de cinema, por exemplo, é o que a chatérrima patota da Cahiers du cinema fazia nos anos 1960. Só mesmo por aqui Jean-Luc Godard poderia virar profeta. Coisa velha, que nem seus pais, que ganhavam mais se pegando em drive-ins, lembram. 

E só um lugar como esse poderia dar um Cid Gomes. Nosso atual governador inaugurou um Centro de Eventos elefante branco e, em futuro próximo, "presenteará" a população alencarina com um aquário, ambos teoricamente destinados a aumentar o tímido número de turistas na capital cearense e fadados a serem mantidos eternamente às expensas do contribuinte. Coisa velha. O prefeito de Flint fez mesma coisa no final dos anos 1980, quando a cidade, outrora industrial, afundou na desgraça econômica posterior à debandada da General Motors e decidiu "virar" cidade turística. Os dois equipamentos duraram apenas alguns meses, como podemos ver no genial Roger e Eu (Roger and me, EUA, 1988) de Michael Moore. Fortaleza também é assim. Está fadada, portanto, a se tornar ultrapassada, ainda antes mesmo de começar a copiar os mal-sucedidos projetos de cidades falidas americanas. Aliás, Cid Gomes é outra coisa velha, herdada da relação suserania/vassalagem entre Ciro Gomes, seu irmão - e atual desocupado - e Tasso Jereissati. Embora pose de moderninho, pedindo curtidas em seu perfil oficial no Facebook, e procurando associar sua imagem à celebridades internacionais, ele mal esconde seu jeito tacanho de homenzinho proveniente de algum fim-de-mundo. 

Obviamente, isso será visto com antipatia pelos cearenses. Mas isso também é coisa velha. Excesso de deslumbramento e falta de autocrítica estão em nosso DNA. Desde crianças somos ensinados que vivemos na "Terra da luz", em meio a um povo hospitaleiro e "batalhador", com maravilhosas belezas naturais e com um futuro inteiro pela frente. Balela, claro: basta andar pelas ruas esburacadas e lotadas de mendigos em Fortaleza para jogar por terra toda essa falácia. Por outro lado, a falta de concorrência de fato estimula a imensa comiseração com relação ao erro. Afinal, quase sempre são os grupinhos e as panelinhas  que dão as cartas na cultura local, ou seja, ninguém tem coragem de falar mal do próprio grupo de amigos, ainda que eles, por exemplo (não tão remoto) façam filmes apenas para si próprios, do tipo espanta-público.  Mas o que de fato impressiona nesse lugar onde tudo parece condenado a se repetir é a facilidade com que as pessoas se deixam iludir por velhas novidades. Creio que esta poderia ser uma das explicações para as coisas continuarem como sempre foram, a despeito de alguns prédios e obras públicas inúteis a mais. E da-lhe mais Paulos Linhares, mais centros de formação para mercados inexistentes e brigas fratricidas por verbas públicas para a "cultura". Mudando para não mudar. Parece paradoxal, mas, por aqui, terra dos paradoxos, isso faz todo o sentido.

Gabriel Petter

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