O TERCEIRO HOMEM: UM OLHAR SOBRE O HOMEM FATAL.

Uma pequena cena: uma rua deserta, um gato, um homem assustado, uma luz vinda de uma janela e um rosto no meio da noite, com um sorriso irônico e charmoso. O que poderia ser apenas mais um plano fílmico transformou-se em um dos momentos mais mágicos da sétima arte. Assim temos pela primeira vez a aparição do personagem Harry Lime, o grande responsável por colocar O Terceiro Homem (The Third Man, 1949) como um dos mais cultuados filmes da década de 40. 

Realizado pelo inglês Carol Reed, e baseado no famoso roteiro de Graham Greene, esse fantástico thriller de suspense tem como protagonista principal a cidade de Viena, no pós guerra, cuja maior fonte de renda provinha do mercado negro, financiado por ingleses, russos, americanos e franceses. É nesse contexto que surge o escritor Holly Martins, um fracassado escritor de romances baratos, que chega para trabalhar ao lado do seu amigo Harry Lime e descobre que ele foi misteriosamente morto em um acidente. As várias versões de sua morte contrastam entre si e isso serve de pano de fundo para um intricado jogo policial. Apaixonado pela amante do defunto, Anna Schmidt, um mulher linda e com um passado nebuloso, Holy se envolve cada vez mais em um universo cheio de crimes, mentiras, traições e assassinatos.


A mitologia em torno de Harry Lime merece uma análise à parte. Bandido maquiavélico, sedutor e carismático, mesmo tendo sua aparição reduzida a poucos minutos da película, se torna o grande foco de interesse da narrativa. Interpretado por Orson Welles, é muito difícil imaginar outro ator que o fizesse de forma tão fascinante. Todas as cenas em que ele aparece são clássicas. Desde a primeira, já citada anteriormente, até a do parque em que o ator improvisou todo o diálogo, chegando finalmente à da perseguição no esgoto, em que a montagem rítmica do filme chega ao seu ápice. Uma verdadeira dádiva ao cineasta mais influente de todos os tempos, que atuava para poder financiar os filmes que dirigia. Se houve um “homem fatal” no cinema noir, habitado geralmente por mulheres misteriosas, ambíguas e perigosas, possivelmente esse papel coube ao traficante de penicilina Harry Lime. Homenageado em filmes, como Almas Gêmeas, de Peter Jackson, é quase inacreditável reconhecer que Welles passou apenas uma semana trabalhando no longa, em uma filmagem que durou três meses.


Orson Welles como Harry Lime: um mito do cinema.

Além dele, temos também as boas atuações de Joseph Cotten e da italiana Alida Valli, como o casal perseguido pela polícia vienense, assim como a participação do grande Trevor Howard, como o major Calloway A música esplêndida e marcante, composta pelo austríaco Anton Karas, realçando bem o uso da cítara, também é um dos grandes achados da obra. Outros aspectos relevantes desse clássico são:  a fotografia magistral, ressaltando todo o clima noir da história, elaborada por Robert Krasker e a direção excepcional de Reed, no melhor momento de sua carreira. Para muitos críticos, esse trabalho foi um grande tributo ao estilo wellesiano; como o caráter expressionista e barroco, os ambiciosos enquadramentos de câmera e a utilização constante de lentes grande-angulares; com Welles inclusive, sendo diretamente consultado para elaboração de algumas cenas .
  



A famosa cena do esgoto de Viena: uma aula de montagem.

Enfim, um dos grandes filmes do século XX, que ganhou milhares de premiações no mundo todo, incluindo o prêmio principal no Festival de Cannes e foi eleito por muitos críticos e cinéfilos como o maior já feito na Inglaterra. Resumindo: uma obra prima que merece ser vista e revista por todos. 

Pierre Grangeiro

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