O meu Cine Ceará

A partir de hoje inicio uma série com o dia-a-dia da cobertura (out) de um festival de cinema. Não esperem puxação de saco e nem deslumbramento. Já dizia Cristo: "Dai a César o que é de César" (não sei qual é a passagem, capítulo e nem versículo, por favor!). Se não estou sendo um poço de imparcialidade - nenhum jornalista o é - pelo menos meus (poucos) leitores podem ter certeza que não tenho razões para ser parcial. A única coisa que estou ganhando, cobrindo o 23º Cine Ceará, é uma interessante experiência do outro lado da mídia - nada de trocadilhos com o Ghost, por favor!


Gabriel Petter - do outro lado da mídia

Gostei da minha credencial de imprensa. Foi duro conseguí-la. Soube que tinha direito a uma, mas ninguém me informou sobre o procedimento para pegá-la. Informações desencontradas, distribuição de sorrisos, conversas com uns e outros, enfim, lá estava ela: simples pedaço de papel preso a um cordão de nylon. Eis então que me deparo com meu nome, com um T a menos no sobrenome - normal, ninguém é obrigado a escrever corretamente sobrenomes estranhos. Ainda assim, confesso que senti um laivo de vaidade perpassando meu juízo, mas foi só por um instante: bastou eu perceber o absurdo da situação. Não a minha, afinal, passageira, mas o daquele monte de gente que veio ao nosso pequeno Cine Ceará imaginando encontrar o cenário glamouroso e afetado de Cannes. Visual cool, muitos acenos, beijos e abraços (Fortaleza é pequena, né, todo mundo se conhece!), o clima, realmente, era especial, não obstante o Sete de Setembro e as manifestações (dessa vez porque, mesmo?), ambos completamente ignorados por quem estava na grande celebração local da sétima arte. Não fossem uns amigos que tive a ventura de encontrar, e que não se mostravam muito dispostos a compactuar com aquela pequena encenação de happy hour cult, talvez eu tivesse saído à francesa e me socado no primeiro lugar menos teatral que eu encontrasse.

Coisa de gente chata. Eu sei, já cansei de ouvir. Mas cada novo evento de cinema no Ceará me dá motivos para continuar reclamando. Dessa vez nem foi tanto a (des) organização que me chamou a atenção. Já ví coisas piores. Também não foi o fato de um público maior do que o esperado ter que se espremer em duas pequenas salas de cinema e num teatro também pequeno - isso para quem conseguiu entrar. Este é um bom sinal de que ainda há muita gente interessada em cinema fora do circuito comercial, não obstante a falta de estrutura. O que fez mesmo a alegria do público (e a minha), durante a abertura do longevo festival cearense, foi o caráter meio mambembe da abertura oficial. A começar pelos mestres de cerimônia. À parte aquelas falas de quem está lendo teleprompter e do esquema falo-eu, fala-você, de telejornal, tudo começou a degringolar quando começaram os agradecimentos. Ao lado de nomes "respeitáveis" como Oi Futuro e o escambau, a apresentadora Fernanda Mota cravou um "Marquinhos cabeleireiro" que me levou àqueles salões lotados de peruas afoitas por uma progressiva. Mas isso foi o de menos. A parte técnica também deu seu show à parte. Não sei e nem quero saber quem estava fazendo a câmera principal - parte do público, eu incluso, assistíamos à cerimônia, que ocorria no teatro, a partir de um telão -, mas o sujeito parecia um daqueles meninos que acabaram de comprar uma máquina digital e que não páram quietos, produzindo suas primeiras imagens: enquadramentos loucos, movimentação muito rápida e desfoque crônico foram apenas alguns dos elementos estéticos que o (a) cinegrafista deve ter tentado trabalhar durante a cobertura da abertura oficial, para torná-la, digamos, menos oficial. Deu certo. Foi super divertido. Mas gafe mesmo foi a que envolveu a homenageada da noite, a atriz, diretora e cantora portuguesa Maria de Medeiros. A pobre imortal foi chamada ao palco para receber seu troféu Eusélio Oliveira e, muito bela e conservada para os seus 48 anos, agradeceu, como manda o figurino, dizendo-se emocionada. Óbvio e mui merecidamente, foi ovacionada, mas, após os aplausos, ficou estatelada no palco, sem saber a quem entregar o microfone e nem por onde sair. Eis que aparece um senhorzinho com um buquê de flores e Maria já não sabe o que fazer, equilibrando em suas mãos o troféu, o microfone e o buquê. Abrindo um sorriso amarelo e quase em desespero, é levada ao centro do palco, onde ganha mais aplausos, mas mantém a tensão causada pelo excesso de coisas em suas mãos, quando, finalmente, consegue encontrar uma alma caridosa da produção a quem entregar o fardo. De tão constrangedora, a sequência foi risível.

E, para arrematar a noite, como de costume, o filme que abriu o festival era ruim. Se Deus vier, que venha armado (Brasil, 2012) é o tipo de obra que se tornou lugar-comum na cinematografia brasileira na última década: uma estória ambientada num contexto socioeconômico marcado pela violência, com policiais malvados, bandidos carismáticos, muito palavrão e cenas desnecessárias de sexo. Enredo interessante, atuações marcantes ou outros elementos cinematográficos (e não meramente sociológicos) interessantes, necas! Aliás, assistindo ao filme, tive a leve sensação de que ele ainda não está completamente feito, tamanha é a incoerência da montagem em boa parte das sequências. Tudo bem. Ainda teremos o novo trabalho de Rosemberg Cariry pela frente, fechando o 23º Cine Ceará. Mas isso será uma outra história. Acompanhem as cenas dos próximos capítulos.


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