Meu Cine Ceará II

Segundo e último episódio da saga de um profissional não... "enturmado", digamos assim, e que, por isso, não tem muito a perder, caso não queira tapar o sol com a peneira


O "ator" (vá lá!) Marcos Palmeira, homenageado na noite de encerramento do XXIII Cine Ceará, ao receber o troféu Mucuripe das mãos do seu próprio pai (?!), o cineasta Zelito Viana (irmão de Chico Anysio, pai de Betse de Paula e um dos membros da dinastia do saudoso humorista cearense), expressou, como poucos, o que é fazer cinema no Brasil: "O bom é que na minha família ninguém passa fome. Um me chama para atuar, eu chamo outro para dirigir etc." Verdade pura. O último filme no qual ele atua, Vendo ou alugo (BRA, 2012) é dirigido por sua irmã, Betse de Paula. Ele está no lugar certo. E isso não é um jargão. Fazer cinema, no Brasil, quase sempre significa fazer parte de um grupinho. Ser premiado, também. O que se viu na noite de ontem não oferece uma perspectiva animadora para qualquer contra-argumentação. Afinal, conceder o prêmio de melhor direção para Luiz Dantas, do filme-lugar-comum Se Deus vier, que venha armado (BRA, 2013), cuja única coisa que se salva é a atuação de Ariclenes Barroso - reconhecida com justa premiação - é como dizer que a Saga Crepúsculo é uma das melhores produções da história do cinema. Mas o detalhe é que Luiz Dantas foi convidado por Wolney Oliveira, diretor (e dono) do evento, para apresentar sua obra na abertura do festival, mesmo sabendo que ela ainda não estava finalizada. Esquisito, evidentemente, tanto quanto o fato do diretor do festival cearense e da Casa Amarela, em Fortaleza, morar no Rio de Janeiro. Mas não dá mesmo para levar o mais longevo festival de cinema cearense a sério. E não só pelo seu amadorismo, mais do que evidente - quem assistiu às cerimônias de abertura e premiação, com seu festival de gafes, sabe do que eu estou falando. O celebrado festival local, a despeito da pompa do seu público, no fundo não passa de uma grande confraria. E também um grande palco para encenações. Que o diga Pedro Diógenes, do coletivo Alumbramento, que recebeu, em nome do grupo, um tal Troféu Oscarito (pobre Oscarito!), criado em 2012, e concedido pela Câmara Municipal de Fortaleza a artistas, produtores e demais profissionais do audiovisual (ou seja, não é um prêmio de cinema), sendo proposto por Lula Morais e alterado por Guilherme Sampaio, ambos ligados à patota petista que controla a Vila das Artes - escola de audiovisual de Fortaleza - desde a sua fundação. O detalhe é que o coletivo Alumbramento é cria da primeira turma da Escola de Audiovisual da Vila das Artes. Apesar dessa, digamos, "ligação perigosa", Pedro subiu ao palco para encenar o papel de renegado do governo (Estadual, óbvio), reclamando da exclusão do seu grupinho dos editais de "incentivo" ao audiovisual. Para quem, em entrevista ao sítio Salada de cinema (http://saladadecinema.com.br/2011/05/27/salada-de-cinema-entrevista-pedro-diogenes-realizador-de-estrada-para-ythaca/), declarou que uma das principais dificuldades de produção do longa Estrada para Ythaca (BRA, 2011) foi fugir dos bafômetros, o papel de militante do audiovisual cabe bem - militantes são estúpidos, mesmo -, não o do produtor que luta pela melhoria do ambiente (competitivo, de fato) de produção. Afinal, quem choraminga por dinheiro do Estado pode estar pedindo tudo, menos profissionalismo. 

Aliás, em muitos casos, a ligação entre os premiados e os "críticos" que os premiaram é, para ser generoso, suspeita. Ou, em outras palavras, mais fraternal do que o bom-senso e a ética profissional (se resta alguma) recomendam. Daí a proliferação de prêmios "especiais" criados para homenagear pessoas que, em outras circunstâncias (em condições de concorrência justa, I mean), nem sequer entrariam em disputa. Ok, que os amigos se premiem, mas pelo menos levando em consideração que o trabalho agraciado seja melhor que todos os outros que estão em competição - parece que não foi esse o caso, o que torna tudo mais patético e detestável. Tal atitude apenas nivela por baixo a produção local e mostra que, sem proteção, nossos realizadores não sobreviveriam nem uma semana em mercados de verdade. Ponto para a incompetência e para o desleixo. Para a distorção também. Ney Matogrosso, numa tirada que soou mais do que irônica - "Eu vim aqui para cumprir a minha promessa  de comparecer!" - sofreu o constrangimento de receber o prêmio de Melhor Trilha Sonora para o documentário Olho nu (BRA, 2012), embora seu notório bom-senso deva ter lhe espezinhado com o fato de que ele não compôs trilha nenhuma para o longa (aliás, um bom filme, justiça seja feita). Nem compositor Ney é. E o que dizer dos compositores das canções? Deixa pra lá... 

E, para encerrar a noite, nosso velho (e bota velho nisso!) Rosemberg Cariry abriu a prémiere do seu 12º longa, Pobres diabos, realizado (como sempre) graças à recursos estaduais e federais, produzido por sua filha, Bárbara Cariry, fotografado por seu filho, Petrus Cariry, estrelado pelo seu velho amigo, Chico Diaz e por Silvia Buarque, membro da dinastia Buarque de Hollanda. Não é um filme ruim, mas também não passa muito do ordinário. Seria pedir demais de algo realizado em ambiente tão... familiar. O Cine Ceará e os nossos realizadores são como aqueles velhos patronos coloniais, que ainda resistem bravamente em nossa terrinha. Aparentemente rigorosos e sérios em esfera privada, mas, digamos, muito "flexíveis" quando se trata da sua atuação pública, ignorando fatos como o nepotismo, o favorecimento descarado e otras cositas que enchem suas bocas em relação aos políticos brasileiros. Como bem disse o historiador José Felipe Alencastro, nossa sociedade acha que é muito melhor do que os representantes que ela própria elege. Entretanto, estamos em Fortaleza, uma das cidades mais desiguais do planeta e um dos poucos lugares onde privilegiados sociais posam de vítimas e onde todos os paradoxos são mais do que bem-vindos. Não haveria sede melhor para o Cine Ceará. Por isso nosso cinema é tão bom... 

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